Angola: João Lourenço afirma que “o facto de não haver autarquias locais” em Angola é que é uma anormalidade

Durante a sua visita a Cabo Verde, o presidente da República de Angola fez um anúncio muito interessante e algo surpreendente.

Afirmou João Lourenço que “o facto de não haver autarquias locais em Angola é que é uma anormalidade. O normal é nós trabalharmos para corrigir esta situação e eu acredito que estamos cada vez mais próximos de podermos tornar isso possível.”

E esclareceu que um dos obstáculos à implementação rápida das autarquias é a “falta de consenso, com relação sobretudo a uma questão, se as eleições serão feitas em simultâneo ou não”.

Ora, parece então que a decisão acerca da data em que irão realizar-se as eleições autárquicas – se será ou não no mesmo dia que as eleições gerais – é o único pormenor que falta acordar para se avançar com a criação de autarquias locais em Angola.

Da nossa parte, a resposta é unívoca e cristalina: as eleições autárquicas devem ser efectuadas em data diferente das eleições gerais.

Adiantamos três argumentos em favor desta posição: uma razão de diferenciação, outra de descompressão e, finalmente, uma de contraposição (checks and balances)Vejamos um argumento de cada vez.

Diferenciação. Convém sublinhar que as autarquias locais são poderes constitucionalmente relevantes, distintos dos órgãos de soberania: Presidência da República e Assembleia Nacional. A sua natureza é diferente, como diferente é o seu papel. Não se trata de órgãos de representação da República, mas sim de facilitação da resolução dos problemas locais da população. Nesse sentido, marcar eleições gerais e autárquicas para o mesmo dia apenas contribuiria para tornar pouco clara a diferenciação constitucional de funções e para desvalorizar as autarquias, aproximando-as de uma mera delegação da votação principal. A própria Constituição tem o cuidado de sistematicamente colocar o poder local em Título próprio, diverso daquele que diz respeito ao poder político soberano.

Descompressão. Se o primeiro argumento é de cariz mais jurídico-formal, este e o seguinte têm uma feição mais política. “Basta olhar para a tensão que paira no país a propósito das eleições gerais previstas para o próximo Verão para se perceber o grau de compressão e mesmo de paralisação que se apodera do país a propósito das eleições. Parece que se trata de uma questão de vida ou morte, em que todas as forças definem o seu futuro”.

Ora, haver um período alternativo de eleições, em que os vários partidos e interesses se pudessem pronunciar, ajudaria a aliviar esta pressão da data das eleições gerais. Aqueles que não vencessem as eleições gerais sempre poderiam tentar nova sorte em futuras eleições autárquicas e assim, pelo menos, alcançar uma parte do poder desejado.

Nessa medida, haver datas diferentes servirá para aligeirar o “peso” do processo eleitoral e para permitir uma discussão menos dramática no espaço público.

Contraposição. É sabido que, na prática, as autarquias funcionam em parte como válvula de escape e oposição ao governo central. São uma forma de criar checks and balances ao poder político. Muitas vezes, os governos são de uma cor partidária e as câmaras das cidades são de outra, havendo uma espécie de equilíbrio territorial de poderes. Por exemplo, em Portugal, a Câmara de Lisboa é do PSD enquanto o governo é do PS; algo de semelhante acontece em Madrid, bem como em Paris e em Londres, casos estes em que as câmaras se situam mais à esquerda e os governos, mais à direita.

Para que o mesmo possa acontecer em Angola, será útil que os actos eleitorais ocorram em períodos separados. Elege-se o governo nacional e, algum tempo depois, elegem-se as forças governativas das cidades.

Refira-se que esta distinção de datas ocorre em muitos países, desde em logo em Portugal e também no Reino Unido, onde as eleições legislativas não são no mesmo dia que as autárquicas.

É evidente que não tem obrigatoriamente de ser assim. Alguns países, alegando questões de eficácia ou de poupança financeira, preferem ter as eleições nacionais e locais no mesmo dia. Por exemplo, no Botswana, as eleições nacionais e locais tiveram lugar simultaneamente, a 23 de Outubro de 2019. Já na República Democrática do Congo, as autárquicas ocorreram a 22 de Setembro de 2019, enquanto as nacionais tiveram lugar em Dezembro de 2018.

Não há uma regra prévia. Contudo, em Angola, atendendo às suas circunstâncias específicas e à necessidade de descomprimir o país, haveria vantagens em apartar as datas das eleições gerais e das eleições autárquicas.

Sublinhe-se ainda um outro ponto crucial: embora sejam apresentadas como uma espécie de “mãe de todas as soluções”, infelizmente as autarquias não poderão desempenhar este papel.

Se, porventura, podem ser uma forma de aproximar o poder das populações e ajudar a resolver mais rapidamente as questões locais com que se defronta o povo, também podem vir a ser um novo repositório de corrupção e má governação, dando lugar a decisões locais disparatadas, perdulárias e desprovidas de sentido.

Toby Young, da Universidade de Londres, tendo estudado vários exemplos de descentralizações autárquicas do poder em África, designadamente no Uganda, acabou por concluir que, muitas vezes, estas acabam por resultar em mais complicações do que resoluções.

Autarquia é sinónimo de mais dinheiro para gastar, que por sua vez implica mais estruturas administrativas, mais espaço para burocracia e corrupção, e por aí adiante, criando novas espirais de ineficiências e gastos. Como refere este académico, começa-se por gastar mais dinheiro e não se sabe onde se vai parar.

Nessa medida, de modo a para se criar mais uma frustração nacional, o movimento autárquico deve ser visto de forma prudente e conservadora, e não como uma nova panaceia do desenvolvimento. Não é. Trata-se essencialmente de um momento político de democratização e aproximação dos governantes aos governados.

Ainda assim, para concluir, o Maka Angola defende que as eleições autárquicas sejam realizadas em dia diferente das eleições gerais.

 

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