O líder bielorrusso assumiu que haverá um referendo para reformar a Constituição, depois de reconhecer que a atual lei fundamental do país é autoritária.
O presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, deu esta segunda-feira a entender que poderá deixar o cargo “muito em breve”, mas sem especificar se permanecerá no poder noutra qualidade.
“Não há necessidade de especular sobre quando Lukashenko e outros irão partir. Muito em breve”, disse Lukashenko numa conferência de imprensa em Minsk, citado pela agência EFE.
Lukashenko, 66 anos, admitiu que tem pensado no seu futuro, porque o cargo que ocupa desde 1994 “não é uma posição para toda a vida”. “Quem o povo bielorrusso escolher, ele será o Presidente. É assim que as coisas são. (…) Ainda tenho de decidir que cargo ocuparei nessa altura”, afirmou.
O líder bielorrusso assumiu que haverá um referendo para reformar a Constituição, depois de reconhecer que a atual lei fundamental do país é autoritária e que parte do poder terá de ser cedido ao parlamento. “Haverá um novo Presidente. Isso é claro. Mas esta Constituição, que é realmente autoritária, não pode ser entregue ao próximo Presidente. Não sabemos quem ele será e como se comportará”, afirmou.
Sobre possíveis sucessores, Lukashenko disse que “há 15 a 20 pessoas na Bielorrússia que podem crescer e tornar-se presidentes”, e destacou o atual ministro do Interior, Ivan Kubrakov, 46 anos, no cargo desde outubro de 2020.
Há pessoas que não vacilaram e não traíram naqueles dias difíceis. Ao fazê-lo, elas tornaram-se parte da História do nosso Estado e a sua essência foi cristalizada. Ivan Kubrakov é um deles”, disse, citado pela agência estatal Belta.
“Peço desculpa pela imodéstia, mas eles assemelham-se a mim de certa forma. Talvez porque cresceram ao meu lado. São dedicados ao país, são de confiança (…). A maioria dos cidadãos votará neles”, acrescentou.
A conferência desta segunda-feira coincidiu com o primeiro aniversário do início dos protestos antigovernamentais contra a fraude eleitoral, após Alexander Lukashenko ter sido declarado vencedor das presidenciais de 9 de agosto de 2020. As eleições foram declaradas fraudulentas pela oposição bielorrussa e por vários países ocidentais.
O Presidente da Bielorrússia admitiu ter ordenado a repressão “sem disparos” sobre os manifestantes antigovernamentais após a sua reeleição e negou que milhares de pessoas detidas na altura tivessem sido torturadas.
Lukashenko reconhece ano difícil após eleições de 2020 na Bielorrússia
“Hoje, a Bielorrússia está no centro das atenções de todo o mundo. Como e porquê sabem melhor do que eu. Quero apenas dizer que não foi de livre vontade. Tivemos um ano difícil”, disse Lukashenko em Minsk, citado pelas agências EFE e Associated Press.
Alexander Lukashenko falava na chamada “Grande Conversa com o Presidente”, definida pela agência noticiosa estatal Belta como “uma reunião com o público, peritos e comunidade de meios de comunicação social no formato de uma grande conferência de imprensa”.
Segundo Lukashenko, no mundo de hoje “a chamada democracia foi substituída pelo ditame digital”. “Cria-se um fundo emocional negativo na sociedade ou, como lhe chamam, ruído de informação, mas o mais triste é que este mundo virtual e artificial influencia a adoção de decisões políticas fundamentais e reais na arena internacional”, afirmou Lukashenko.
O líder bielorrusso disse que o ano seguinte às eleições presidenciais de 9 de agosto de 2020 pôs à prova a “unidade nacional da Bielorrússia” e acusou a oposição de ter pensado num golpe de Estado.
Realizámos então a preparação para a eleição nas condições de total transparência e democratização da vida política. A diferença era apenas que alguns estavam a preparar-se para uma eleição justa, e outros pediam para esmagar as autoridades para um golpe de Estado”, disse.
A Bielorrússia foi abalada por meses de protestos desencadeados pela reeleição de Lukashenko em 2020, a maior das quais chegou a reunir 200.000 pessoas. As autoridades bielorrussas responderam aos protestos com uma repressão implacável, com mais de 35 mil pessoas presas e milhares espancadas pela polícia. Figuras importantes da oposição foram presas ou forçadas a abandonar o país.
Lukashenko considerou que os acontecimentos do ano passado fortaleceram a cooperação entre a Bielorrússia e a Rússia, defendendo que Moscovo era o alvo do “ataque externo”.
“A Bielorrússia e a Rússia permaneceram sozinhas. O ataque externo foi dirigido à Rússia através da Bielorrússia, como sempre foi”, disse.
Lukashenko também advertiu o Ocidente contra novas sanções contra a Bielorrússia porque poderiam ter “o efeito contrário” e afetar os países que as impõem. “Eles [políticos ocidentais] precisam de começar a usar a cabeça e pensar cuidadosamente antes de tomar medidas contra nós, incluindo antes de introduzir sanções”, disse.
Mais de 600 bielorrussos foram reconhecidos pelo centro de direitos humanos Vesná como prisioneiros políticos e estão agora detidos em várias prisões.
Lukashenko, que governa a Bielorrússia com punho de ferro há 27 anos, denunciou os seus opositores como lacaios de estrangeiros e acusou os EUA e os seus aliados de conspiração para derrubar o seu governo.
As autoridades intensificaram a repressão contra os dissidentes nas últimas semanas, visando jornalistas independentes e ativistas da democracia em centenas de ataques. A Associação de Jornalistas da Bielorrússia informou esta segunda-feira que, no ano seguinte às eleições bielorrussas, várias centenas de jornalistas foram presos no país e mais de 100 “websites” foram bloqueados. “Atualmente, 29 jornalistas ainda estão presos e 50 estão sob processo penal”, denunciou a associação.
Krystsina Tsimanouskaya, a atleta olímpica que se recusou a voltar à Bielorússia
Lukashenko também se pronunciou, pela primeira vez, sobre o caso da atleta olímpica Krystsina Tsimanouskaya, que se refugiou na Polónia depois de ter criticado a gestão da participação bielorrussa nos Jogos de Tóquio. O líder bielorrusso acusou Tsimanouskaya de ser uma fantoche estrangeira e disse que a atleta não teria feito o que fez “se não tivesse sido manipulada”.
Exigiu também que a Ucrânia investigue a morte do ativista bielorrusso Vitaly Shishov, que foi encontrado enforcado em Kiev, na semana passada, e exigiu provas a quem acusou Minsk de ser responsável pelo seu desaparecimento.
A oposição bielorrussa, cujos principais líderes estão na prisão ou no exílio, exige que Lukashenko abandone imediatamente o poder, a libertação de todos os presos políticos e que os culpados pela repressão violenta sejam castigados. Acreditam também que a única solução para a crise é a realização de novas eleições, nas quais os candidatos da oposição, incluindo a líder da oposição no exílio, Svetlana Tikhanovskaya, também participariam.
“Não creio que Lukashenko esteja pronto para desistir facilmente do poder. Ninguém disse que esta luta seria fácil. Vai ser difícil. Mas temos de o fazer compreender que é impossível liderar um país onde as pessoas querem mudanças. Aos olhos do povo bielorrusso, Lukashenko é um líder ilegítimo”, disse Tikhanovskaya à EFE. Tikhanovskaya acrescentou que não haverá esta segunda-feira manifestações na Bielorrússia, uma vez que o preço a pagar é “muito elevado”.