Advogados querem em tribunal atual e ex-ministra das Finanças e presidente do Tribunal de Contas para provar alegado desfalque. E questionam coincidência do início do julgamento com o aproximar das eleições em Angola.
Arrancou, esta terça-feira (28.06), no Centro de Convenções de Talatona, em Luanda, o julgamento de Pedro Lussati, principal arguido de um alegado esquema fraudulento envolvendo militares da Casa de Segurança do Presidente angolano. O megaprocesso conta com 49 réus e 213 declarantes.
Entre os arguidos encontram-se oficiais das Forças Armadas Angolanas (FAA) e civis, acusados de peculato, associação criminosa, recebimento indevido de vantagem e branqueamento de capitais, entre outros crimes.
Na audiência desta terça-feira (28.06) foram apresentadas questões prévias de cerca de 50 advogados.
Réus em liberdade
A defesa mostrou o seu descontentamento face à detenção dos seus constituintes e defendeu que os réus devem responder às acusações em liberdade.
Foi o caso de Osvaldo Salupula, um dos vários mandatários dos militares e civis em julgamento, que tinha a “expetativa de que este julgamento não ocorresse nas condições em que está a ocorrer, com os réus presos”.
Segundo o advogado, se “até as audiências são públicas e as provas já foram todas colhidas, não faz sentido nenhum, nem na perspetiva jurídico-legal, nem na perspetiva humana, mantê-los presos”.
Na apresentação das questões prévias, o advogado solicitou ainda a convocação de membros do Governo para provar o alegado desfalque, que resultou neste julgamento.
Os representantes dos réus acusam o Ministério Público angolano de ter cometido várias irregularidades durante a investigação do caso.
“Atendendo aos vícios que se foram cometendo […], requeremos a requisição dos anteriores ministros das Finanças, bem como a atual, e também a comparência dos venerandos juízes conselheiros do Tribunal de Contas, o atual e o anterior, para perceber se houve ou não desfalque patrimonial na esfera do Estado, conforme o Ministério Público intencionalmente produziu provas contra os arguidos, com fundamentos em desvio dos fundos públicos”.
Por sua vez, o advogado de defesa Yuri Pascoal espera que os juízes deste caso decidam em conformidade com a lei. E que, tendo em conta a quantidade de réus e declarantes, o julgamento não seja apressado para acabar a tempo das eleições gerais, agendadas para 24 de agosto.
“Os juízes pensaram que seriam capazes de conseguir cronometrar o tempo de declaração de cada um dos intervenientes, mas isto é impossível porque cada um tem questões por colocar. Um pode levar dez minutos, outro pode levar cinco minutos”, explica Yuri Pascoal.
“Intromissão do Presidente da República”
O julgamento começou duas semanas depois de o Presidente angolano João Lourenço ter dito, durante uma conferência de imprensa, que “dentro em breve” o “caso Lussati” viria a público.
Para o advogado Yuri Pascoal, não se tratou de uma coincidência. A seu ver, a referência de João Lourenço ao início do julgamento indicia claramente a “interferência política” no sistema judicial.
Pascoal diz que o pronunciamento do chefe de Estado “não foi ético nem prudente, nem foi uma ação inteligente”, “porque pode antever alguma intervenção por parte do Presidente da República no assunto que cabe a outro órgão de soberania que não é a Presidência da República”.
A mesma opinião tem o advogado Osvaldo Salupula, que argumenta que, “se efetivamente há separação de poderes, o Presidente da República não se pode pronunciar em circunstância alguma sobre matérias jurídicas. Deixa para a Justiça aquilo que é efetivamente o papel da Justiça”, frisa.