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Conflito pós-eleitoral 1992 em Luanda (I)

“Socorro, socorro, socorro” gritava o general Renato Campos Mateus que acabava de escapar de um rapto por elementos da bófia que tentavam retirá-lo do seu carro, no dia 31 de Outubro de ano bissexto 1992.

O general chegou a correr ao hotel Turismo, onde ele e mais dirigentes e quadros da UNITA estavam alojados. Essa tentativa de rapto foi só mais um episódio no conjunto de várias situações que se sucediam às primeiras eleições legislativas e presidenciais que acabavam de ter lugar, havia um mês e demonstrava como era precária a estabilidade política.

Os resultados divulgados pela Representante do Secretário-geral das Nações Unidas, Margareth Anstee, que davam vitória ao MPLA estavam a ser contestados pela Oposição que apontava e denunciava inúmeras irregularidades e fraude.

Nos bairros, os militantes da UNITA enchiam as mesas dos dirigentes da UNITA na Comissão Conjunta Político-Militar e no Secretariado do Serpa Pinto com informações que davam conta de que o MPLA estava a distribuir armas aos civis que seriam, como aliás vieram a ser utilizadas contra a UNITA.

O Dr. Jonas Malheiro Savimbi, alertado por fontes bem informadas, tinha já abandonado clandestinamente Luanda e encontrava-se no Huambo, de onde organizou uma importante reunião dos líderes dos Partidos da Oposição que tinham participado das eleições. Na declaração conjunta, os Líderes dos Partidos da Oposição denunciaram a fraude massiva que tinha marcado o pleito e apelaram para a necessidade da manutenção de um clima propício à realização da segunda volta.

Foi depois dessa reunião dos Líderes dos Partidos Políticos realizada no Huambo, que o Dr. Jonas Malheiro Savimbi decidiu enviar à Luanda os seus mais directos colaboradores para dar continuidade às negociações e ao processo de paz.

Havia alguns receios como que pressentimento de que algo pior estava por vir. Na reunião de cúpula da UNITA foi então decidido o regresso à Luanda do Vice-presidente Jeremias Chitunda, do Secretário-geral Adolosi Mango Alicerces, do chefe da delegação na CCPM Elias Salupeto Pena, entre outros mais dirigentes.

Embarcaram corajosamente para mais uma missão patriótica. Os receios que existiam não os travaram. Partiram confiantes na seriedade dos homens do MPLA para nunca mais voltar. Despediram-se das famílias e dos filhos que ainda eram pequenos com um até breve.

E por que os votos foram mesmo roubados, enquanto na CCPM as discussões eram acaloradas, com acusações mútuas entre as partes, a UNITA entendeu que em democracia em que o país acabava de entrar, há muitas formas de reivindicação, sendo uma delas a manifestação para no caso vertente reclamar da lisura das eleições nas ruas de Luanda.

Mas antes disso, três dias depois da reunião do Huambo, isto é no dia 18 de Outubro de 1992, a cidade de Luanda foi sacudida por explosões produzidas num paiol de armamento na zona do aeroporto. Enquanto tal cenário ocorria, alguns elementos da ODP/BPV meteram-se a progredir em direcção a uma residência dos homens da UNITA no bairro Cassenda. Nessa residência estavam os quadros do Partido com responsabilidade na Comissão Conjunta Político-Militar e com eles estava uma guarnição para a sua segurança. Não era segredo. O Dr. Savimbi não aceitou que a sua segurança e dos seus dirigentes e quadros fosse confiada a outras pessoas. Impôs que assim fosse.

Despertos pelas explosões que acordaram toda a cidade, foram tomadas as disposições tácticas pertinentes e montados postos de sentinela a uma certa distância. Foi então que por volta das quatro horas de madrugada o posto que destacado na direcção da administração do Prenda detectou alguns homens armados em progressão e avisaram os Mais Velhos.

“Vêm aí tropas a progredirem em direcção a nossa casa”, informaram ao Conquistador, pseudónimo de um oficial de inteligência das FALA que estava na CCPM.

“Instruí que os deixassem aproximar até uns escassos metros e abrissem fogo, sem utilização de granadas”, explicou o oficial.

Os guardas cumpriram a ordem tal como foi dada. Abriram fogo quando os atacantes estavam a cercar a residência dos oficiais da UNITA. Foram mortos cinco elementos e capturadas sete armas novinhas em folha, 2 PKM e 5 espingardas automáticas AK 47.

Os atacantes pertenciam aos grupos de forças que tinham recebido armas para atacar as delegações da UNITA nos bairros da capital. A armadilha estava montada, só que houve precipitação ocasionada pela deflagração do paiol.

“Informamos o que tinha ocorrido ao Comissário Mandaleno Tadeu que era oficial que respondia pelos assuntos de polícia ao nível da CCPM. Os corpos dos mortos só foram removidos por volta das 13 horas”, explica o Conquistador, sublinhando que na rádio nacional e na TPA os acontecimentos daquela madrugada foram apresentados como vinha ao regime, totalmente destorcidos. O agressor transformou-se em vítima.

Nessa altura, a situação era de tensão na capital. Pelo país e a partir de Luanda, desdobravam-se delegações mistas em missão de investigação da fraude.

Na manhã de 31 de Outubro de 1992, o Conquistador decidiu ir ao Miramar, residência oficial do Dr. Jonas Savimbi para recarregar a bateria do seu rádio de comunicação. Seguiu depois para a Rotunda de São Paulo de Luanda, onde se deparou com Ramos Miguel, antigo homem das redes de clandestinidade que novo contexto se tornara Coordenador dos Comités da UNITA em Luanda, que lhe pós ao corrente sobre as últimas orientações da Direcção do Partido relativas à manifestação anti-fraude. Enquanto conversavam, estavam a chegar autocarros com populares de Viana.

Da conversa com Ramos Miguel, o Conquistador tomou conhecimento do roteiro da manifestação. Como oficial de Inteligência, o Conquistador entendeu inspeccionar a rota que lhe foi indicada e encontrou barricadas de chassis, tambores e pneus montadas na via prevista para a passagem da manifestação.

“Informei ao Ramos Miguel da obstrução da via da manifestação e continuei o percurso, descendo pelo Alto das Cruzes, pelo antigo Angochip e Minint, onde tive de parar trocar o pneu do meu carro furado”, narra o Conquistador.

Resolvido o problema, o Conquistador prosseguiu a sua missão, rumando para a sua residência no Cassenda.

“Quando chego em direcção ao hospital do Prenda, Major Jojó Carvalho (em memória) chamou por mim no meu rádio e dizia: ‘mais velho, se estiver num sítio seguro pára, aqui estamos cercados, a situação está mal’. Nesse entretanto, a GMC que levava abastecimento alimentar para a nossa residência no Cassenda foi atacada e carbonizada nas imediações do hotel Fórum”, reporta.

Perante a evolução súbita da situação, o oficial de inteligência, alertado sobre o perigo, fez inversão de marcha e rumou para o hotel Turismo, estacionou o seu Toyota Cammery pela última vez e dirigiu-se ao quarto do seu colega das lides de inteligência, Garcês Chipeio, a quem informou sobre a deterioração da situação em Luanda e falou  da sua fome.

“Enquanto aguardávamos por alguma coisa de comer solicitada à equipa de protocolo do hotel, ouvimos alguém gritar, lá em baixo do prédio: ‘socorro, socorro, socorro’. Era o general Renato Campos Mateus, ali junto a antiga sede da Sonangol, que vinha a correr para o Hotel Turismo, porque queriam lhe tirar do carro e conseguir escapar-se”, narra o Conquistador, que na altura dos factos se encontrava no quarto andar.

Os comandos responsáveis pela segurança dos dirigentes da UNITA chefiados pelo Major Tomás trataram de controlar a situação.

“Eu nunca mais vi o meu carro. Lá, em baixo, os carros ficaram uns queimados com bombas, outros furados com tiros, enfim foi infernal. Nós só saímos do hotel Turismo no dia 2 de Outubro”, conta o Conquistador sobre o período sangrento pós-eleitoral de 1992.

“Foram três dias difíceis, debaixo de fogo intenso de armas ligeiras e pesadas em que a esperança de sobrevivência estava depositada a bravura dos protectores dos dirigentes da UNITA”, prossegue o oficial.

Na unidade hoteleira encontravam-se aproximadamente 270, entre dirigentes, quadros, mulheres e crianças candidatos a um massacre do ocorrido no Pica-Pau, em 1975, se as forças atacantes Polícia, FAPLA/FAA e Defesa Civil conseguissem romper as linhas de defesa do Major Tomás.

“Perante a tenaz resistência dos comandos e a hábil negociação dos dirigentes da UNITA com a Cruz Vermelha Internacional, foi possível estabelecimento do cessar-fogo que permitiu a evacuação do Hotel Turismo. As FAPLA nas vestes da FAA, a Polícia e a Defesa Civil, não conseguiram tomar de assalto o Hotel Turismo”, prossegue o Conquistador.

Continuarei

 

Lourenço Bento

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