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Congressos Partidários da UNITA e do MPLA: “Tribunal Constitucional (TC) Fora da Política”

Voltam a ouvir-se vozes, vindas não se sabe de onde, a antever decisões radicais do Tribunal Constitucional acerca dos congressos partidários da UNITA e do MPLA que tiveram lugar no passado mês de Dezembro. Acena-se com anulações e modificações das lideranças partidárias, em virtude de novas decisões do Tribunal.

É possível que a lei constitucional e ordinária angolana permita tais anulações e reformulações das lideranças partidárias, por via de decisões perfeitamente legítimas do Tribunal Constitucional. Contudo, não deve ser esta a prática habitual nem a tendência jurisprudencial da instituição.

Este texto visa alertar para a excessiva intervenção do Tribunal Constitucional (e de outros tribunais superiores) no processo político angolano, apelando a uma jurisprudência da contenção.

Não há dúvidas de que o Tribunal Constitucional deve aplicar a Constituição e a lei de modo adequado e sem temores. Mas também é verdade que, dentro das suas faculdades interpretativas, deve abster-se o mais possível de interferir no processo político. A sua actuação deve ser subsidiária e procurar dar espaço à esfera política para resolver os seus problemas. A regra deve ser: “os políticos que resolvam as suas questões e os seus problemas. O tribunal só intervém em última instância”.

Lord Sumption é um antigo juiz do Supremo Tribunal inglês, que participou na famosa decisão que em 2017 declarou, a propósito do Brexit, que o governo britânico não detinha poderes para decidir a saída da União Europeia sem o acordo do Parlamento – uma declaração que acabou por ter relevante peso político, num caso que ficou conhecido como R (Miller) v. Secretary of State for Exiting the European Union. Nesta decisão, o governo britânico levou uma “sova” por querer abusar do seu poder.

Recorrendo à sua perspectiva e experiência enquanto juiz do Supremo Tribunal, Lord Sumption tem escrito bastante sobre o tema do envolvimento do poder judicial em assuntos políticos e chegou à conclusão de que a litigância judicial não resolve os problemas fundamentais de uma sociedade: pode abrir caminhos e gerar debates, mas só o processo político e a contenda política trazem soluções duradouras.

Na mesma linha, e apontando caminhos para o posicionamento de um tribunal superior com funções constitucionais, encontra-se o juiz norte-americano do Supremo Tribunal Stephen Breyer.

Breyer defende que, uma vez que os tribunais “não têm espadas nem carteiras”, i.e., não mandam nas Forças Armadas, nas polícias e no dinheiro do Orçamento do Estado, a única forma de que dispõem para afirmar a sua autoridade é através da confiança do público. A força dos tribunais assenta na confiança que conseguem granjear entre a população. Se o povo acredita que os tribunais decidem com imparcialidade e justiça, então os tribunais terão poder e força; se o povo não acredita nisso, então os tribunais serão vistos como um mero instrumento de quem detém o poder, e as suas decisões não serão respeitadas. Breyer alerta que a excessiva intervenção política pode desgastar essa confiança e desacreditar os tribunais. Quando a população constata que a casa da justiça serve apenas de eco ao confronto dos partidos políticos representados por pessoas que nem sequer foram eleitas, fica desconfiada.

Para os tribunais terem autoridade e exercerem as suas funções de controlo constitucional, protecção dos direitos fundamentais e equilíbrio entre os poderes, têm de merecer a confiança da população e o respeito dos outros poderes. Isto não quer dizer que tenham de decidir como a população deseja ou de acordo com quem grita mais. Mas quer dizer que as suas decisões têm de possuir uma base objectiva na lei e ser respeitadas, mesmo quando há desacordo.

Assim sendo, “é necessário não introduzir demasiadamente a política nas sala de audiência, para que os tribunais sejam capazes de concitar respeito e confiança, e tenham espaço para intervir em casos realmente sérios e de relevo constitucional”.

Significa isto que o Tribunal Constitucional em Angola não se deve tornar um agente político quotidiano – apenas deve interferir na vida política em casos extremos e de necessidade adequada.

A realidade a que se assistiu durante algum tempo no Tribunal Constitucional angolano comprova o motivo de apresentarmos agora este argumento. Falamos de pronunciamentos e vazamentos que apenas contribuíram para politizar a instituição judicial e colocar em dúvida a actuação dos seus juízes. Podemos referir, por exemplo, o vazamento de um projecto de acórdão a propósito da revisão constitucional, que depois acabou por ser publicado como voto de vencido. “Isto criou a maior confusão entre os poderes legislativo e judicial, a que acresceu o voto de vencido de outro juiz, no mesmo acórdão sobre a revisão constitucional, que referia qualquer coisa como o suicídio em curso da democracia. É evidente que esta afirmação mereceu o aplauso de determinados partidos políticos, mas mais não fez do que mostrar um político enquanto juiz e não um juiz enquanto alguém imparcial. Este juiz, com a sua ânsia de popularidade serôdia, prestou um mau serviço à causa da independência do Tribunal Constitucional”.

Muitos acrescentarão o acórdão sobre o Congresso da UNITA de 2019, que, embora correcto do ponto de vista legal, originou uma forte discussão política. Neste caso, defendemos, como já temos defendido anteriormente, que este acórdão era necessário para evitar que um candidato principal a presidente da República fosse a votos enfrentando dúvidas sobre a sua legitimidade. Se repararmos bem, o acórdão não continha nenhum pronunciamento político, limitando-se a proferir um raciocínio jurídico.

No entanto, deve ser visto e encarado como um caso único e não como o início de um activismo judicial político-partidário do Tribunal Constitucional. Não vamos passar a discutir o que se perde e o que se ganha em eleições e votos maioritários nos tribunais – apenas o que é absolutamente fundamental.

O Tribunal Constitucional só tem a ganhar com a adopção de uma postura de recato, empreendendo decisões rápidas e sustentadas e seguindo um princípio de intervenção mínima nos processos político-partidários. Só assim granjeará o respeito e a confiança dos cidadãos para a sua tomada de decisões em prol do bem comum e de acordo com a Constituição e a lei.

 

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