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Eleições Gerais 2022: O que mudou para os jovens “nos últimos cinco anos” desde que João Lourenço substitui José Eduardo dos Santos?

Em 2017, quando o atual Presidente, João Lourenço, foi eleito, substituindo José Eduardo dos Santos, muitos jovens votavam pela primeira vez. Cinco anos depois, por que país lutam os mais novos? O que mudou?

Angola vai a votos a 24 de agosto e os jovens, que compõem mais de metade do eleitorado, serão uma peça-chave. Muitos votaram pela primeira vez em 2017, quando o atual Presidente, João Lourenço, foi eleito, substituindo José Eduardo dos Santos, após 38 anos no poder. Cinco anos depois, o que mudou na vida da juventude?

João Quipaca lembra-se bem da chegada de João Lourenço ao Governo. Na altura tinha 25 anos e era professor colaborador numa escola privada em Malanje, capital da província com o mesmo nome, a 380 quilómetros da capital angolana.

Pouco tempo depois, foi despedido. Segundo ele, o novo Governo trouxe “cortes na educação” que deixaram fora do ensino cerca de 20% dos professores. “Depois de ele [João Lourenço] estar no poder, nós, professores, fomos retirados. Rescindiram contratos porque as instituições ficaram sem valores”, conta à DW.

Já nessa altura, a remuneração era baixa. João ganhava 10 mil kwanzas [cerca de 22 euros], um valor que “nem chegava para sustentar a família, mas dava para fazer alguma coisa”.

Em 2017, a taxa de desemprego em Angola rondava os 24%. No seu manifesto eleitoral, o Movimento Popular de Libertação de Angola [MPLA] propunha-se a reduzí-la em um quinto. Outra proposta ambiciosa deu muito que falar: o partido no poder prometia criar, no mínimo, 500 mil novos empregos.

Promessas e esperança

Nessa altura, Antónia Paulo, estudante universitária em Luanda, então com 21 anos, estava a trabalhar.

Mas lembra-se do impacto da promessa: “Os meus amigos esperavam com anseio por essa altura em que os empregos iam começar a chover. Vi muita gente empolgada que hoje anda meio dececionada. Sentem-se desiludidos, enganados. Acreditam que foi só mais uma campanha eleitoralista para garantir votos”, diz, em entrevista à DW.

João Quipaca partilha deste sentimento. “Em 2017, [João Lourenço] mostrou ser alguém carismático e preocupado com a juventude, mas, infelizmente, depois de estar a governar, mostrou que é mais um ditador, o pior governante que já existiu no país. Os tais 500 mil empregos a juventude nunca viu, ninguém se beneficiou disso”, frisa.

No entanto, João Lourenço garantiu recentemente, num ato de pré-campanha eleitoral no Huambo, que a promessa foi praticamente cumprida. Segundo o chefe de Estado, de 2018 até agora, “o Executivo gerou cerca de 460 mil postos de trabalho” nos mais variados setores da economia.

Questionado pela DW sobre se é possível que o MPLA tenha cumprido esta promessa, o economista angolano Francisco Miguel Paulo responde afirmativamente:“É razoável, porque há muitos concursos públicos, entre outros, e as empresas também contribuíram”.

No entanto, chama a atenção, a questão não se prende apenas com a criação dos 460 mil empregos. “Pergunta-se: quantos empregos foram destruídos no mesmo período? Porque o mercado de trabalho é dinâmico. E infelizmente as estatísticas não estão completas. Têm que fazer, para vermos qual é o emprego líquido. Muito mais se perdeu, como podem ver. Se não, o desemprego estaria a diminuir”, explica.

Desemprego aumentou

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) comprovam-no: de 24%, em agosto de 2017, a taxa de desemprego aumentou para 30,8% em maio de 2022.

“Se olharmos para a taxa de desemprego juvenil, dos 15 aos 24 anos, é muito mais elevada. Anda à volta dos 50, 60%. Mesmo a taxa de emprego que o INE publica a cada três meses, dos tais ditos [11 milhões de] empregados, 80%, mais de 9 milhões, estão no mercado informal, em empregos precários, sem nenhuma garantia legal. Não descontam para a segurança social, não têm os direitos que um trabalhador normal tem”, constata o economista.

Francisco Miguel Paulo vê o desemprego como “um dos grandes problemas que a economia angolana está a enfrentar”, porque, como explica, “sem emprego não se consegue redistribuir rendimento, pagar salários, e também aumenta a informalidade”.

João Quipaca tem hoje 29 anos e não voltou a encontrar emprego: “Desde que o contrato foi rescindido, não consegui obter mais trabalho. Estou o tempo todo em casa, saio só para ir à universidade”.

O jovem depende da ajuda dos pais para estudar. Frequenta o segundo ano da licenciatura em Direito numa instituição privada e são eles que pagam as propinas. “Pela idade que tenho, não deveria depender mais dos pais”, lamenta.

João tem sobrevivido com biscates, mas que “não aparecem todos os meses”. “Quando alguém precisa, vou para lá para ver se consigo 1.000 [cerca de 2,20 euros] ou mesmo 500 kwanzas, para ver se consigo para manter alguma coisa em casa. O sofrimento é demais”, confessa.

Mais angolanos em pobreza extrema

Sem um emprego formal, muitos jovens não têm um rendimento fixo. E muitos vivem com menos de 1,90 dólares por dia, cerca de 800 kwanzas, em situação de pobreza extrema. Dados do Banco Mundial mostram que, no ano 2000, 36,4% da população angolana era extremamente pobre. Em 2008, o número baixou para 34,4%. Mas, uma década depois, em 2018, praticamente metade dos angolanos – 49,9% – viviam em situação de pobreza extrema.

Um estudo do Afrobarómetro divulgado recentemente mostra que o cenário continua desanimador. No ano passado, 44% dos angolanos experimentaram pobreza extrema. Um aumento de 9 pontos percentuais em relação a 2019, em que 35% dos angolanos viviam nesta situação.

Ainda segundo o Afrobarómetro, cerca de oito em cada 10 angolanos sofreram escassez de alimentos e dificuldades na satisfação das necessidades básicas pelo menos uma vez durante o ano passado.

João Quipaca “nota zero” ao Governo de João Lourenço, pois entende que na sua governação “nada melhorou”. Segundo ele, “as coisas que seriam mais fáceis de resolver, como a fome”, não foram resolvidas. “Os níveis de pobreza e desemprego”, prossegue, “pioraram”. E os preços da cesta básica aumentaram. De acordo com o estudante de Direito, “o saco de arroz que custava 2.500 kwanzas no Governo de José Eduardo dos Santos – hoje está a 11.900 kwanzas”.

Em cinco anos, o preço do arroz mais do que duplicou, segundo dados do INE citados pelo jornal Expansão. Em 2017, um saco de um quilo custava 412 kwanzas, 0,87 euros à taxa de câmbio atual. No final de 2021, rondava os 985 kwanzas – o equivalente a 2,15 euros.

A contribuir para o aumento dos preços esteve a taxa de inflação que, segundo o INE, subiu de 23% em 2017 para os 27,3% em 2021.

Francisco Miguel Paulo diz que a “inflação em Angola é um problema estrutural, não conjuntural”. E que, “infelizmente, o Governo só quer depender do Banco Central para diminuir a inflação. Mas não é uma questão monetária, é estrutural”.

O economista angolano exemplifica: “Boa parte do transporte de mercadoria é feito por via rodoviária. Mas as estradas a nível nacional não estão boas. Para levar produtos de Luanda à Lunda, os camiões podem estourar o pneu três ou quatro vezes, porque a estrada está péssima. E um pneu pode custar 150 mil kwanzas. Até chegar, os preços aumentam estrondosamente, porque as infraestruturas estão péssimas. Enquanto não se resolver a questão das estruturas básicas, a questão logística, das vias rodoviárias e ferroviárias, não há política monetária que vá conseguir reduzir a inflação em Angola”.

A agravar a situação, acrescenta Francisco Paulo, os produtos agrícolas não chegam aos mercados de consumo porque não há meios de transporte disponíveis. Por isso, o país depende das importações – quase 70% daquilo que se consome é importado, lembra. Para poder reduzir a inflação, o Banco Nacional de Angola “joga com a taxa de câmbio”, “porque quanto mais baixa a taxa de câmbio, quanto mais valorizada for a moeda nacional, melhor é na importação, porque a importação torna-se mais barata. Mas isso é artificial. O país não pode depender somente da importação, tem de apostar na produção de bens e serviços. Só assim vai reduzir a taxa de desemprego”.

Nos últimos meses, porém, Antónia notou descidas nos preços dos produtos. O que, segundo explica a jovem, pode explicar-se com o aproximar das eleições gerais.

“Regra geral, nota-se alguma descida nos preços por ser altura de eleições, de pré-campanha. Se é pela redução do IVA na ordem dos 7%, se é pela reserva alimentar estratégica ou por todos esses fatores juntos… Talvez seja, não sei. Mas sim, tem-se registado descida, está aos olhos de todo o mundo”, diz.

Custos com a educação

Não é apenas a alimentação que pesa no orçamento dos jovens angolanos. As despesas com a educação levam uma grande fatia.

Antónia Paulo está no terceiro ano do curso de Comunicação Social da Universidade Agostinho Neto, em Luanda – uma das 32 instituições públicas que existem atualmente no país. Paga 15 mil kwanzas, cerca de 33 euros, de propinas por mês, “a par de outros emolumentos”.

“Os preços vão variando, pago pelas folhas de provas, 50 kwanzas por cada uma, pela reconfirmação… emolumentos baixos quando comparados aos das universidades privadas”, explica a estudante, acrescentando que, ainda assim, esteve um ano sem pagar qualquer mensalidade.

“Não paguei nada, a não ser as folhas de prova. Só neste ano académico, quando fui fazer a reconfirmação, paguei toda a mensalidade de todo o ano académico. Precisava de ter todas as dívidas saldadas para poder fazer a reconfirmação para o 3º ano”.

Nas 64 instituições privadas do país, a situação é ainda mais complicada e estudar torna-se mais caro. João Quipaca é aluno do Instituto Dom Carregado Nascimento, uma instituição católica em Malanje. Paga 23 mil kwanzas, mais de 50 euros, de propinas por mês. Um número ao qual acrescem, tal como nas instituições públicas, outras despesas.

“O material está fora. Além de propinas, tens de pagar mais 6 mil para a associação dos estudantes, mais uns cartões a 10 mil… Acabas por gastar por mês 42 mil kwanzas”, resume.

Tal como acontece atualmente com João, era o pai que ajudava Antónia nestas despesas antes de encontrar um emprego – apesar de estar numa universidade pública. Em 2020, o Governo de João Lourenço anunciou o fim da gratuitidade do ensino superior.

Já em 2019, o presidente do Movimento dos Estudantes Angolanos, Francisco Teixeira, alertava para as consequências da medida: “Sentimos que o Estado angolano quer elitizar o sistema de ensino. Há um claro interesse do Estado em tornar o ensino universitário para pessoas da classe alta e eliminar os filhos dos pobres”.

Número de vagas: um imbróglio

Segundo a agência de notícias estatal angolana ANGOP, o Governo autorizou 151.926 vagas para o ensino superior no ano letivo de 2021/2022. Destas, apenas 21.571 pertenciam a instituições públicas.

No entanto, não é possível fazer uma avaliação exata. Os números apresentados anualmente pelo Governo, geralmente através da comunicação social, diferem das contas das associações do setor.

Um relatório disponibilizado à DW pela Associação dos Estudantes das Universidades Privadas, por exemplo, coloca o total de vagas para 2020 nas 300 mil, mais do dobro do anunciado pelo Executivo nesse ano. Fruto da desorganização do Governo e do número de instituições do ensino superior que não estão legalizadas e que ficam, por isso, de fora das contas oficiais – supõe o economista Francisco Miguel Paulo.

Certo é que a concorrência é grande. Antónia Paulo entrou na Universidade Agostinho Neto em 2019. Era a segunda vez que tentava. Nesse ano, a universidade pública da capital angolana registou mais de 46 mil candidatos para cerca de cinco mil vagas. Uma realidade que faz com que muitos acabem por desistir e optem pelas privadas.

Foi o caso de João. À DW, o jovem explica que, para além do reduzido número de vagas nas instituições públicas, há outra realidade com a qual é preciso lidar: o modo como são selecionados os candidatos aprovados.

“Eu para além de ser um cidadão normal, sou ativista, e na verdade, no país em que estamos, quem pensa diferente às vezes é perseguido ou ameaçado de morte. Várias vezes fiz testes para o público e, mesmo obtendo boa nota, acabei por ficar [para trás] porque dizem que eu não sou da ala deles, não pertenço ao grupo, chumbaram-me. Então, para não ficar mais para trás, tive de optar pelo ensino privado”, conta.

João acrescenta que entrar numa instituição privada é sempre “mais fácil” e que “os críticos do regime não estão na pública”. Em Angola, prossegue, “ou tu te rendes ou ficas fora”.

Após a matrícula, milhares de estudantes, garantem as associações do setor, acabam por ficar pelo caminho.

Segundo a Associação de Estudantes das Universidades Privadas, entre 2020 e 2021, mais de sete mil estudantes desistiram das universidades privadas em Angola por falta de condições financeiras, agravadas com o surgimento da pandemia da Covid-19.

Também João conta que, da sua turma composta por 106 alunos, “são muitos os que cancelaram os estudos por não conseguirem pagar as propinas”.

“Se pudesse, trocava para a privada”

Mesmo superados os desafios de entrar e pagar a frequência numa universidade, não é certo que o canudo seja sinónimo de qualidade.

A Universidade Agostinho Neto, por exemplo, “tem muita fama e hoje é mesmo só fama, porque a qualidade já não é aquela de há uns anos atrás”, conta Antónia Paulo. “Se pudesse, pagaria uma universidade privada e trocava”.

O próprio Governo admite que é preciso melhorar a qualidade do ensino nas instituições angolanas. Já em 2018, o secretário de Estado do Ensino Superior, Eugénio da Silva, dizia que o Governo ia reforçar a aposta na melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem.

“Teremos um ensino superior com mais docentes, com candidatos de perfil adequado para aquilo que são as exigências do ensino superior, um ensino com uma exigência de avaliação, do desempenho docente e com avaliação dos cursos nas áreas das ciências da saúde”, prometia o governante.

No entanto, nesse mesmo ano, segundo dados do Banco Mundial, a fatia do Orçamento Geral do Estado dedicada à Educação foi uma das mais baixas da última década: 5,4%. Em 2022, prevê-se que fique nos 6,6%.

As criticas na área da educação não ficam por aqui. Segundo o investigador Francisco Miguel Paulo, “o Governo tomou uma política de massificação do ensino superior”.

“Infelizmente, no país, grau académico não significa produtividade, porque o sistema de ensino é mesmo débil. E depois há o tipo de formação: o país precisa de engenheiros agrónomos, de engenheiros civis, mas a maior parte da formação que se faz é sociologia, não desconsiderando estas formações. Porquê sociologia, economia, direito, ciências políticas? São as que vão criar fábricas e emprego? Precisamos de ensino profissional técnico virado para o mercado de trabalho”.

Além disto, continua o economista, em Angola, “a lógica de remuneração na função pública é em função do grau académico e não de acordo com a produtividade. Faz com que toda a gente queira ter um diploma só para aumentar o salário. E não é correto. A pessoa deve estudar tendo em conta as suas necessidades de formação”.

“Difícil” entrada no mercado de trabalho

Fora dos muros das universidades, também há desafios. E entrar no mercado de trabalho, mesmo tendo concluído um curso universitário, não é garantido.

Antónia diz que é difícil: “Aqui costuma-se dizer que se não tiveres alguém dentro da empresa, não passas, não fazes parte do grupo. Mas eu, não sei se é sorte, tenho encontrado alguma facilidade nessa questão do emprego”.

Antónia está agora a estagiar numa rádio atrás do sonho de se tornar um dia jornalista. João quer também continuar o seu curso de Direito, apesar de todas as adversidades, e ser advogado.

Com eleições agendadas para 24 de agosto, o futuro de Angola está agora nas mãos de jovens como eles, que compõem mais de metade do eleitorado do país.

Um pouco por todas as províncias de Angola, os jovens pedem oportunidades e melhores condições de vida.

Questionado sobre o que é preciso mudar no país, Francisco Miguel Paulo, é peremptório: “No país está tudo errado desde o princípio, desde que a guerra terminou, em 2002. Mas isso não justifica a falta de ação para mudar o quadro”.

Segundo o economista, Angola “enfrentou cinco anos consecutivos de recessão. Só no ano passado teve um crescimento positivo de 0,7%, insignificante para poder melhorar as condições de vida e criar mais emprego”.

A solução, aos olhos do analista, passa por isso mesmo: criar condições para que seja possível realizar atividades económicas no país. “Nos programas do Governo não se dá prioridade às reformas estruturais que realmente importam: garantir eletricidade para toda a atividade económica e para todas as pessoas e incentivar que paguem o serviço, e o registo da população e da propriedade. Porque se não estiverem registadas, não se vai conseguir acompanhar a dinâmica do próprio mercado de trabalho”.

Jovens decidem

Há cinco anos, em 2017, apesar de já ter idade, Antónia não votou. “Desta vez estive a pensar: não votei nas eleições passadas, se calhar não tenho muito aqui que estar a discutir, não é? Porque não fiz parte da decisão”.

Por isso, “desta vez vai ser diferente”, garante. “Não posso cruzar os braços como da última vez. Desta vez, está tudo a postos para eu votar em agosto”.

“Depois das eleições, espero um Governo – seja quem for eleito – que olha para questões básicas, para a educação e a saúde como prioridades. O resto é consequência. Que se aposte nisso, não só na construção de mais escolas e hospitais, mas olhar para a formação, todo o sistema, ver como as coisas funcionam e o que falta”, diz.

Já João Quipata, que não guarda boas recordações do Governo de João Lourenço, quer que o cenário mude: “Desta vez, tem de haver mudança. Têm de ser eleições justas e transparentes. Caso não haja, nós como sociedade civil vamos procurar pressionar ainda mais o Governo, mas este regime tem de cair. Mas de uma forma democrática, não com uma revolução radical”.

 

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