Em Angola, analistas consideram que o apuramento centralizado, a falta de fundos e o medo de conflitos pós-pleito, entre outros desafios, comprometem a atuação do cidadão na fiscalização eleitoral. A oposição angolana apela aos cidadãos para ajudarem a fiscalizar as eleições gerais de agosto.
Os partidos consideram que “Angola vive uma grave crise de legitimidade, credibilidade e confiança social, caracterizada pela descrença dos cidadãos nas instituições”. Por isso, pedem aos cidadãos para garantirem a “transparência e lisura” do escrutínio a 24 de agosto. Mas, na prática, a fiscalização eleitoral poderá ser bastante difícil.
Apuramento centralizado
A lei eleitoral impõe várias limitações, a começar pelo lugar onde se faz o apuramento dos votos, lembra o antropólogo Miguel Kimbenze em declarações à DW África.
“A nossa lei não permite, por exemplo, o apuramento municipal, nem provincial. Permite apenas o apuramento nacional, o que não é bom”, relata Kimbenze.
“Belisca aquilo que seria a verdadeira transparência no processo eleitoral, quer no campo da fiscalização e na observação do processo”, avalia.
Não haverá centros de escrutínio nas províncias. O apuramento será feito a nível nacional pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Sendo assim, o estudante universitário Alves Wango diz que o ideal seria que os cidadãos se cadastrassem como delegados de lista dos partidos políticos, mesmo sem serem militantes. Seria a única forma de observarem as eleições.
“Se todos os se cidadãos cadastrarem como delegados de lista, eu penso que, ali, terão balizas e sustentabilidade para poderem fiscalizar o pleito eleitoral lá na sua assembleia de voto”, considera o estudante.
Exigências legais
Mas há também limites definidos por lei. Cada partido ou coligação só pode designar um delegado efetivo e outro suplente para cada mesa de assembleia de voto. E nem todos conseguem designar delegados para todas as assembleias do país.
Para acompanhar as eleições como observador há igualmente dificuldades. A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) definiu um limite máximo de 2.000 observadores nacionais. E nem todos podem ser observadores, explica o politólogo Agostinho Sicato.
“Há uma série de requisitos que um cidadão a título individual deve reunir. Um dos requisitos é exatamente a experiência em observação eleitoral. E há outros tantos requisitos que, infelizmente, não permitem que qualquer cidadão que quiser observar as eleições o faça”, revela.
Os observadores devem estar “legalmente reconhecidos” para acompanharem o processo eleitoral, segundo a Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Quem não é observador, nem delegado de lista, está proibido de ficar à porta das assembleias de voto para fiscalizar o escrutínio. E também não é permitido publicar fotos ou vídeos de boletins na imprensa e nas redes sociais.
Falta dinheiro
Agostinho Sicato defende a realização de campanhas de educação para que os cidadãos sintam a importância da sua participação na fiscalização das eleições. O politólogo apela ainda à atribuição de apoio financeiro e logístico a cidadãos individuais e organizações da sociedade civil interessadas na fiscalização eleitoral.
“Os meios são escassos. Repare, tanto as organizações quanto as pessoas, individualmente, não têm recursos para observar as eleições. O Estado disponibilizou financiamentos para os partidos, mas para as organizações que observam as eleições não há dinheiro”, afirma.
Sobra medo
Para Miguel Kimbenze, persiste outro desafio. O antropólogo diz que o período eleitoral continua a ser acompanhado do receio de conflitos pós-eleitorais, algo que, no seu entender, inibe a participação cívica dos cidadãos na fiscalização eleitoral.
“A população olha ainda para o processo eleitoral com ceticismo, com receio. Veja que, nas vésperas de eleições, por exemplo, quase todo cidadão quer aumentar a sua cesta básica em casa, porque teme o pós-eleições,” conclui.