EUA: Casa Branca ameaça Juízes do Tribunal Penal internacional

Em um ataque sem precedentes ao Tribunal Penal Internacional (TPI), o governo dos Estados Unidos ameaçou punir os juízes do órgão que prossigam com as investigações sobre crimes de guerra cometidos por americanos no Afeganistão.
 
Os magistrados do TPI poderão ficar proibidos de entrar nos Estados Unidos, ter bens congelados no sistema financeiro americano e ser criminalmente processados pelos tribunais do país.
 
John Bolton, conselheiro de segurança nacional, fez o comunicado na segunda-feira (9), durante seu discurso na Federalist Society, organização jurídica conservadora com grande capacidade de penetração no sistema judiciário americano.
 
“Os Estados Unidos usarão quaisquer meios necessários para proteger nossos cidadãos e os de nossos aliados da acusação injusta por uma corte ilegítima”, enfatizou Bolton.
 
O conselheiro também disse que pretende assinar novos acordos bilaterais com outros países, a fim de evitar que cidadãos americanos sejam entregues à Corte de Haia.
 
“Não vamos cooperar com o TPI. Não vamos dar assistência ao TPI. Não vamos juntar-nos ao TPI. Vamos deixar o TPI morrer sozinho. Afinal, para todos os efeitos, o TPI já está morto para nós”, continuou Bolton.
 
O discurso duro seguiu com menções à supranacionalidade e ao caráter “antidemocrático”, à prática de “violação” da soberania dos Estados-nação, à “corrupção e à ineficiência dos juízes”, e à crescente “perda de credibilidade” da Corte.
 
Bolton considera o órgão a mais recente empreitada neocolonialista europeia contra os direitos soberanos na África, alegando que os africanos são os mais processados pelo TPI.
 
O alvo da ira da Casa Branca são os juízes que vêm investigando crimes no Afeganistão imputados a soldados dos Estados Unidos e de países aliados, bem como a funcionários de agências de inteligência.
 
A Guerra do Afeganistão está prestes a completar 17 anos, durantes os quais não faltaram relatos de abusos cometidos pelas forças ocidentais, principalmente as americanas. Além de atos individuais ou coletivos praticados por militares, os investigados poderão responder por operações em prisões clandestinas. Entre as acusações figuram tortura, estupro e atrocidades generalizadas contra pelo menos 88 afegãos presos naqueles locais.
 
As investigações começaram no final do ano passado. Desde então, Bolton acirrou seus antigos e notórios ataques a essa instituição das Nações Unidas. O Tribunal Penal Internacional foi estabelecido pelo Tratado de Roma, em 2002, mas os Estados Unidos nunca tornaram-se signatários. Bolton, que naquele ano era funcionário do Departamento de Estado, foi um dos que trabalharam pela não adesão do país. Ainda orientou o governo a firmar uma centena de acordos bilaterais com países aliados, a fim de evitar que estes viessem a entregar cidadãos americanos.
 
Entre 2005, Bolton foi promovido a embaixador na ONU. Somente após sua saída do governo no ano seguinte, os Estados Unidos começaram a mostrar uma tímida disposição em cooperar com a corte.
 
Em fins de novembro de 2017, antes de entrar oficialmente para o governo Trump, Bolton voltou a bombardear a instituição. Em artigo no The Wall Street Journal, defendeu que os Estados Unidos “estrangulassem a Corte no berço”. Também acusou a ex-secretária de Estado, Condoleezza Rice, de enfraquecer os Estados Unidos com a decisão de apoiar as investigações do TPI sobre o genocídio em Darfur.
 
Acima de tudo, o artigo de Bolton foi uma resposta à procuradora do TPI, Fatou Bensouda, que, dias antes, dera início a apurações sobre possíveis crimes de guerra cometidos por americanos no Afeganistão.
 
No discurso desta semana, o neoconservador Bolton também anunciou planos para fechar o escritório em Washington da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). A medida é em retaliação à suposta indisposição da OLP para retomar as negociações de paz e às tentativas de processar Israel no Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade.
 
Em resposta ao processo impetrado pela OLP no TPI, em maio deste ano, juízes da Corte solicitaram a abertura de canais de informação pública para ouvir vítimas da ocupação israelense na Palestina. Assim como os Estados Unidos, Israel não assinou o Tratado de Roma e não reconhece a jurisdição do TPI.
 
O discurso agressivo de Bolton, o primeiro de grande peso desde que assumiu o cargo atual, é mais do que o ataque a um órgão da ONU. Expressa de forma incontestável o desejo de ruptura do atual governo americano com a ordem internacional que os Estados Unidos apregoaram desde 1945.
 
Que algumas instituições internacionais tenham muito a perder nesse duelo é fato óbvio. O xis da questão, porém, é o quão prejudicial o rompimento com o sistema internacional estruturado no multilateralismo seria para a influência dos Estados Unidos num mundo em plena transformação.
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