É preciso recuar a 24 de Abril de 2019 para encontrar nos gráficos do Brent, a referência para as exportações angolanas, um valor superior ao que está hoje, 14 de Junho, a ser vendido o barril de petróleo, e, com os mercados a transbordar de optimismo, a barreira dos 80 USD é agora o próximo patamar a alcançar. Queda continuada da produção nacional pode deitar a perder vantagem dos melhores preços para a retoma da economia. Semana arranca com barril a bater recorde de Abril de 2019 – Produção nacional volta a ficar abaixo das estimativas
Por detrás deste contagiante optimismo, que está a fazer com que também o WTI de Nova Iorque esteja hoje a bater um recorde de 32 meses, está o esbater da pandemia e dos seus efeitos sobre a economia global devido ao sólido avanço das campanhas de vacinação nos principais blocos económicos planetários e a promessa de que estas cheguem rapidamente ao resto do mundo.
Na Europa, EUA, China e agora também na Índia, a pandemia da Covid-19 começa a dar sinais de fraquejar face ao avanço da vacinação e mesmo no resto do mundo, onde as campanhas de imunização estão mais atrasadas, como África, tudo aponta para que o quadro seja invertido depois de o G7, o grupos dos sete países mais “evoluídos”, ter garantido o desvio de ais de mil milhões de vacinas dos seus stocks para os países em desenvolvimento.
E é face a este cenário optimista que o Brent estava hoje, perto das 09;50 de Luanda, a valer 73,44 USD, valor que não aparecia nos gráficos desde 24 de Abril de 2019, muito antes do surgimento da pandemia provocada a partir da China pelo Sars CoV-2, ao mesmo tempo que em Nova Iorque, o WTI apontava para um recorde ainda mais substancial, de 32 meses, atingindo os 71,53 USD à mesma hora.
Tanto o Brent como o WTI têm registado sucessivos avanços nas últimas semanas com o retrocesso da pandemia da Covid-19 a ser a o pilar principal de apoio a este registo histórico de subidas sucessivas, mesmo que, no horizonte sejam permanentes alguns riscos, desde logo o aumento de casos da infecção em alguns locais, como na Índia, Japão ou mesmo na Europa, ou, mais relevante no curto prazo, a possível entrada de milhares, ou mesmo milhões, de barris de crude iraniano nos mercados, ao abrigo das negociações que correm entre Washington e Teerão para o regresso dos EUA ao acordo nuclear de 2015.
Para já, o mais relevante para Angola, um dos países que mais absorve este sobe e desce dos mercados petrolíferos na sua economia, devido à dependência crónica dos dividendos gerados pela matéria-prima, é que a cada dólar acrescentado ao valor do barril – há analistas que já admitem que a berreira dos 80 USD está cada vez mais próxima de ser atingida -, um sopro de alívio atirado para as contas públicas, considerando que o OGE 2021 está alicerçado na venda do barril a 39 USD e os quase 73,5 USD actuais representam uma folga de 34 dólares.
No entanto, este alívio está a ser fortemente diluído pela continuada perda do lado da produção, que, como revelou em entrevista à Lusa o ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, este ano deve ficar abaixo dos 1,193 milhões de barris por dia (mbpd), claramente abaixo das previsões do Executivo, que eram de 1,220 mbpd.
Este valor demonstra que os efeitos da crise iniciada em 2014, que atirou o barril para baixo dos 100 USD em muitos anos, e depois exponenciada de forma pesada com a chegada da crise pandémica, continuam a sentir-se na produção nacional, sendo as razões mais relevantes a falta de investimento na pesquisa por novas reservas, a falta de investimento na manutenção da infra-estrutura produtiva e o envelhecimento galopante dos principais blocos, que já passaram largamente o seu pico de produção, os denominados campos maduros e em acelerado declínio sem que tivessem sido atempadamente substituídos por outras descobertas.
A isto junta-se um aparente desinteresse pelas majors em manter o rito o de investimentos que mantinham desde 2007/08 até 2014, estando gradualmente a afastar-se do que Angola tem para oferecer neste universo de negócio.
Nesta entrevista, Diamantino Azevedo recorda que “para 2021, a previsão inicial era de 1.220.400 barris de petróleo/dia, entretanto houve um ajuste intercalar e temos como previsão 1.193.420 barris e o que estamos a fazer é no sentido de cumprir esta nova previsão”.
O ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, Diamantino Azevedo, em entrevista à Lusa, lembrou que a produção angolana é maioritariamente proveniente de campos maduros, que já atingiram um pico de produção e estão em fase de declínio, o que só poderá ser revertido ou mitigado com investimentos na pesquisa, tendo sido aprovada uma estratégia nacional para aumentar o conhecimento sobre o potencial de petróleo em Angola.
Para já, esta esperança de Diamantino Azevedo esbarra com aquilo que é a tendência global, como ficou claro no último relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), onde esta destaca a urgência de acabar com o investimento na pesquisa por novas reservas porque urge, face ao desastre iminente gerado pelas alterações climática, acelerar a transição energética para as energias não emissoras de gases com efeito de estufa se se quiser salvar a humanidade de um desastre garantido.
Nesse relatório, como o Novo Jornal noticiou aqui, a AIE enfatiza a urgência de reduzir drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa para procurar salvar a vida no Planeta Terra até 2050, data limite avançada pelo Acordo de Paris e reforçada diariamente pelas Nações Unidas.
Esse objectivo exige vários passos e reduzir o consumo de petróleo, gás natural e carvão são os principais. É isso mesmo que a Agência Internacional de Energia, o mais relevante organismo no sector energético, propõe no seu último e mais radical relatório desde que foi criada, em 1974.
Para a AIE, uma organização criada em 1974 no âmbito da Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento (OCDE), o que está em cima da mesa, olhando para o seu relatório “Mapa para o objectivo de emissões zero em 2050”, divulgado esta semana, é simples, radical e brutal: acabar de imediato com a pesquisa por novas reservas de crude e gás e dar por findo o uso do carvão para produção de energia, acabar com a venda de veículos de passageiros de combustão interna até 2035 e em 2040 todo o sector energético tem de estar livre das emissões poluentes.
Este tipo de propostas não são novas e são, até, comuns em ONG”s ambientais mais radicais, ou até mesmo nas acaloradas intervenções do preocupado Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que não se tem poupado a esforços para sensibilizar os lideres mundiais para a urgência da acção face ao galopante aquecimento global que ameaça condenar à extinção milhares de espécies da fauna e da flora e, no fim, da própria humanidade.
Mas é para não ignorar quando uma proposta com este conteúdo radical chega de uma organização como a AIE, que foi criada no rescaldo de mais uma grave crise petrolífera, em 1974, com o objectivo de gerar estatísticas para os mercados petrolíferos – a mais credível neste âmbito em todo o mundo – e controlar as disrupções no fornecimento de crude, evoluindo nos anos seguintes para abarcar todo o sector energético e, hoje, com forte empenho na questão das energias limpas, colocando-se na linha da frente da análise sobre a crise climática, sendo uma espécie de think thank para a abordagem ao que o rápido aquecimento global exige da humanidade.
Neste relatório “Emissões zero em 2050 – um mapa para o sector global da energia / Net Zero by 2050 – A Roadmap for the Global Energy Sector” está contido, não vale a pena ignorá-lo, uma séria ameaça às economias que mais dependem das exportações de crude e gás natural, como é o caso de Angola, sendo, ao mesmo tempo, um alerta robusto para a urgência de mudar a agulha para as energias limpas e diversificação das fontes de rendimento” sob risco de essas países serem apanhados em contra-mão com o resto do mundo.
E quem mais parece estar atento a estas mudanças dramáticas impostas pela transição energética são as grandes multinacionais do petróleo e do gás que, como o Novo Jornal lembrou aqui, estão claramente, quase sem excepção, a virar as suas atenções, empenho e músculo financeiro para as energias não-poluentes, reduzindo de forma substancial o investimento na pesquisa por novas reservas em hidrocarbonetos.
No entanto, a mesma AIE já veio, posteriormente, fazer um ligeiro recuo propondo que a OPEP+, a organização que agrega os Países Exportadores (OPEP) mais a Rússia e um grupo de mais 9 produtores, retome alguma da produção cortada durante 2020, devido à crise da Covid-19, de forma a corresponder adequadamente ao visível aumento da procura nos grandes mercados, de forma a evitar atrofiamentos nas economias globais que podem ser sérios.