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França: “ONG diz que modelo francês de devolução de bens confiscados não se aplica a Luanda Leaks”

O Projeto de Lei de Programação para o Desenvolvimento Solidário e a Luta contra as Desigualdades Globais, que será votado, na terça-feira, pela Assembleia Nacional francesa, prevê que as receitas de bens confiscados “a pessoas definitivamente condenadas por branqueamento de capitais e apropriação de bens” sejam canalizadas para “financiar ações de cooperação e desenvolvimento”.

A diretora-executiva da Transparência e Integridade disse hoje que o modelo francês de devolução de bens confiscados a líderes estrangeiros não se aplica ao caso Luanda Leaks, propondo o reforço da cooperação judiciária entre Portugal e Angola.

A França está a preparar a restituição às populações, através da criação de um fundo de apoio ao desenvolvimento, dos bens confiscados pelo sistema judicial francês a líderes estrangeiros, legislação impulsionada pelo caso do filho do Presidente da Guiné Equatorial, Teodorin Obiang.

“Acho que o modelo francês não se aplica ao Luanda Leaks porque existe um Estado soberano em Angola que já encetou esse processo de recuperação” de ativos confiscados à empresária e filha do ex-presidente de Angola, Isabel dos Santos, disse Karina Carvalho à agência Lusa.

“O dinheiro devolvido aos angolanos pode ser por via das instituições públicas, por via do Estado. O que é importante garantir é que se criam mecanismos de monitorização cívica que permitam à população e às organizações da sociedade civil perceber onde é que são investidos esses recursos”, acrescentou.

O Projeto de Lei de Programação para o Desenvolvimento Solidário e a Luta contra as Desigualdades Globais, que será votado, na terça-feira, pela Assembleia Nacional francesa, prevê que as receitas de bens confiscados “a pessoas definitivamente condenadas por branqueamento de capitais e apropriação de bens” sejam canalizadas para “financiar ações de cooperação e desenvolvimento”.

O diploma deu entrada no parlamento francês em dezembro de 2020 e foi submetido a uma primeira votação a 19 de fevereiro, tendo na ocasião sido votada por unanimidade uma emenda que consagra, pela primeira vez na lei, o princípio da restituição dos “ganhos ilícitos” à população dos países lesados.

Prevê-se que as receitas provenientes de ativos apropriados sejam canalizadas para um fundo de “ajuda oficial ao desenvolvimento”, gerido pela agência de cooperação francesa.

A legislação foi impulsionada, em grande medida, pelo caso do vice-presidente e filho do chefe de Estado da Guiné Equatorial,’Teodorin’ Obiang, condenado em 2020 pela justiça francesa a uma pena de prisão suspensa de três anos, uma multa de 30 milhões de euros e a confiscações de bens estimados em 150 milhões de euros.

“O regime de Teodoro Obiang é muito particular e é impensável devolver o dinheiro à Guiné Equatorial estando as mesmas pessoas no poder”, disse Karina Carvalho.

A responsável da Transparência e Integridade, o capítulo português da Transparência Internacional, sublinhou “o envolvimento direto” e o contributo das organizações da sociedade civil para a legislação francesa.

“Defendemos que a devolução dos ativos se faça de forma célere e com o maior impacto possível, mas o modelo de devolução é que pode ser distinto conforme as situações”, disse.

No caso conhecido como Luanda Leaks, que denunciou o alegado de desvio de fundos públicos por parte da empresária Isabel dos Santos, filha do ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, Karina Carvalho defende o reforço da cooperação judiciária entre os dois países.

“Tem de existir um canal de interlocução direto que permita investigar rapidamente onde é que estão esses ativos e encetar todos os procedimentos judiciais para a sua confiscação”, disse, adiantando que Isabel dos Santos tem ativos no sistema financeiro, no imobiliário e também na participação de empresas.

Karina Carvalho defendeu, por outro lado, a importância de dar a possibilidade a organizações da sociedade civil angolanas de poderem desencadear processos em Portugal, reclamando-se como parte interessada.

“O governo de Angola não apresenta dados objetivos sobre a devolução de ativos e não se sabe onde e em prol de quem esses ativos estão a ser investidos. Esses mecanismos de monitorização cívica têm de existir”, disse, defendendo que “é preciso garantir que as vítimas da corrupção são compensadas”.

Por outro lado, lembrou Karina Carvalho, Portugal subscreveu a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, tendo obrigações internacionais nesta matéria.

“O esforço de recuperação de ativos tem de ser feito de forma sistemática e não pode estar exclusivamente dependente do pedido de cooperação que venha de outros estados. Se as autoridades judiciais têm conhecimento que Portugal é um abrigo de cleptocratas, têm de intervir, independentemente dos pedidos de cooperação internacional”, disse.

A diretora da TI-Portugal adiantou que faltam dados consolidados sobre quantos ativos Portugal já ajudou a recuperar, considerando que sem casos concretos não é possível perceber se a legislação portuguesa é ou não adequada.

“No caso francês, esta lei decorre da necessidade. O governo francês tem os montantes, confiscou os bens e agora como é que os devolve? Chegaram à conclusão que não podiam simplesmente devolver ao governo da Guiné Equatorial”, disse.

O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) revelou em 2020 mais de 715 mil ficheiros, denominados Luanda Leaks, que detalham alegados esquemas financeiros que terão permitido a Isabel dos Santos e ao marido, Sindika Dokolo, entretanto falecido, retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.

Na sequência destas revelações, foram instaurados em Angola vários processos cíveis e criminais contra Isabel dos Santos, em que o Estado angolano reivindica valores superiores a cinco mil milhões de dólares (4,6 mil milhões de euros).

A empresária rejeitou sempre as acusações, argumentando que se trata de uma campanha política contra si e contra a sua família.

 

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