Em entrevista à Camunda News, o professor da Universidade de Oxford defende que Isabel dos Santos e Adalberto Costa Júnior querem o mesmo: depor o Presidente João Lourenço, que, e também na sua opinião, tem confiado demais no sistema existente para travar o combate à corrupção, mas, e por razões que são evidentes, tal não é eficaz. Para Rui Verde, Pitta Gróz não é o homem certo para fazer, do lado da Justiça, o combate à corrupção em Angola.
Se lhe fizesse uma pergunta ingénua: acha que o Presidente João Lourenço está a dar os passos certos, quando as oportunidades surgem?
Vamos lá a ver, eu dividiria intenções ou intuições e metodologia. Dá-me ideia de que o Presidente tem as boas intuições, aparentemente é contra a corrupção, ou porque achou que foi longe demais, ou porque percebeu que inibe o desenvolvimento do país, é pelas reformas económicas no sentido liberal da economia de mercado, tem as boas intuições, mas há um problema de metodologia, muitas vezes não se percebe o que está a acontecer, há muitas hesitações, há muitos ziguezagues. Imagino que sejam problemas da chamada teoria da estrutura. E por isso, por causa dessa estrutura, que impede que as coisas avancem, que cria bloqueios, o Presidente não actua no tempo certo, deixa passar tempo de mais. Mas diria que tudo isso são aspectos metodológicos. Diria que a intuição, ou a intenção, estão correctas.
Apesar de tudo, percebe-se que o Presidente não pode governar sozinho…
… precisa das elites, senão cai.
Vamos falar um pouco caso a caso. Tivemos um primeiro ano em que o foco foi a família do antigo Presidente, era preciso fazer a ruptura, não só por razões económicas, mas, essencialmente, por razões políticas. Quatro anos depois, este combate cerrado à família dos Santos resultou exactamente em quê? Há quem diga que até resultou numa nova facção de opositores.
Claramente! Realinhou as forças da oposição, isso é evidente. Fala-se muito da aliança do Adalberto Costa Júnior com os “santistas” digamos assim, não tenho prova de que isso acontece, realmente ou não, mas, e em termos objectivos, acontece claramente. Há um alinhamento entre os dois, ambos querem depor o Presidente João Lourenço, nisso não há dúvida.
Pode ser tácito ou pode ser de facto.
Sim, pode ser tácito, ou podem ter-se reunido num qualquer escritório do mundo. Mas que estão alinhados, estão. Um segundo aspecto, foi em termos económicos, Isabel dos Santos perdeu aquela aura da grande empresária, já não é grande empresária, nem em Angola, nem em Portugal. O império delas desmoronou-se, as empresas existem mas já não são geridas por ela. Ela muito provavelmente continua a ter dinheiro – até pelo que se percebe pelas verbas que gasta com consultores ingleses, ainda deve ter bastante dinheiro -, mas o império económico desapareceu. Esses dois factores: o realinhamento das forças políticas da oposição e o desaparecimento do império económico de Isabel dos Santos aconteceram, e em termos de processo político teve consequências. Em termos de processo judicial, começou muito bem, foi uma espécie de blitzkrieg e depois atolou. É um processo que está atolado, é como se tivéssemos passado da II Guerra para a I Grande Guerra, para uma guerra de trincheiras. Chegou-se a um determinado ponto e parece que a PGR não consegue sair dali. Não percebo porquê, mas não sai dali.
Sendo que há algo que foi preservado e que era importante, a UNITEL, onde a presença e o papel preponderante de Isabel dos Santos foi neutralizado, completamente.
Sim, e da mesma forma em Portugal, ainda há imbróglios para resolver, mas digamos que é tudo uma maçada e pouco mais. Aliás, basta ver a posição que ela agora adoptou, parece uma espécie de starlette, ou coisa que valha…
… uma influencer.
Exactamente! Pela postura dela percebe-se que abandonou a ideia de ser a grande empresária.
Acha que a ligação de Isabel dos Santos ao Putin e aos oligarcas russos ainda pode vir a ser uma pedra no sapato para o Presidente angolano?
Fala-se muito nisso, mas, na realidade, penso que Putin e os oligarcas querem negociar com quem tem o poder efectivo. E há quem defenda, não é o meu caso, mas ouvi em Angola, que esta mudança do José Eduardo dos Santos para o João Lourenço – não concordo com esta análise – foi imposta pelo Putin e pela Rússia, que era preciso sangue novo e que o Lourenço teria sido uma aposta de Putin.
Há dezenas de teorias sobre isso, também já me convenceram que os norte-americanos tiveram algum peso. Enfim, o que pode ter acontecido é um mix de várias situações, vários factores que influenciaram para uma transição inevitável.
Mas não vejo que o Putin seja um trunfo da Isabel dos Santos.
Isabel dos Santos é um caso relativamente arrumado, mas do ponto de vista político, haverá pontos comuns entre a oposição e a família dos Santos, que tem um claro ajuste de contas a fazer com João Lourenço, o que eles também não escondem.
Já não escondem, não, basta ouvir a Tchizé.
Já me disse que o Serviço Nacional de Recuperação de Activos é particularmente diligente, mas já se interrogou sobre o que é que o Estado angolano, que não tem um histórico de grande gestor, vai fazer com os activos que têm vindo a recuperar.
Várias vezes. Não basta ir congelar ou apreender bens, que têm de ser geridos ou mantidos de alguma maneira. É fundamental criar um mecanismo ou um organismo – creio que já houve um decreto presidencial sobre isso, mas que era demasiado extenso para se perceber o que lá dizia – mas, é evidente, que não tem sentido estar a recuperar activos se depois a população não vê o resultado desses bens, penso que é fundamental materializar esses bens em bem-estar para a população, tem de haver uma ligação entre o combate à recuperação e o desenvolvimento económico.
E acha que neste momento isso não está a acontecer.
Não, neste momento não está a acontecer. E é preciso que aconteça. Neste momento está-se com uma perspectiva – e contra mim falo – jurídica. Acredita-se que se chega lá, congelam-se os bens e está feito. Não está. É só o início do processo, não é fim. Os hotéis ficam com as torneiras entupidas, com os esgotos sem funcionar, os supermercados ficam sem frescos e produtos para vender, é preciso assegurar que tudo isto funcione.
Na recente proposta da revisão pontual da constituição, parece que se tenta resolver essa questão de forma mais prática, menos burocrática, mais célere, mas menos constitucional. Na sua opinião, o que é que devia ser feito?
Na minha opinião, e defendi isso na altura, é que devia ser feito o que foi feito aqui em Portugal na questão da Efacec e que está agora a ser previsto na revisão constitucional. Em vezes de estarmos com congelamentos e apreensões – nestes casos suficientemente graves – deve haver um confisco ou nacionalização, sem querer entrar nas distinções jurídicas entre uma coisa e outra, isto é, os bens devem passar, definitivamente, e sem apelo nem agravo, para a órbitra do Estado, e depois o Estado proceder à sua gestão ou privatização, havendo uma espécie de comissão de fiscalização com membros da sociedade e de empresas de auditoria para controlar como as coisas se deviam passar. Confisco, com uma comissão de auditória ao lado. Se, eventualmente, no futuro, as pessoas agora confiscadas acabassem por ganhar os processos, o Estado teria de as indemnizar. Porque isto não é confiscar e adeus!, confisca-se e os bens ficam com o seu destino resolvido, mas o processo para a pessoa também continua. As pessoas ganham, e o Estado tem de indemnizar.
Nesse caso a eventual revisão da constituição, e nesse aspecto, até caminha bem?
Sim, mas tem de ser aplicado com estas cautelas, que são duas: confisco, havendo o acompanhamento por uma espécie de uma comissão de auditoria, com técnicos competentes e membros da sociedade civil; e havendo o direito à justa indeminização se for caso disso, senão temos aqui uma espécie de revolução trotskista em marcha.
Fala-se pouco em valores, e quando se fala, são sempre os mesmos valores, cerca de 5 mil milhões de dólares…
Tanto quanto percebo esse valor dos 5 mil milhões de dólares é o que resulta de uma avaliação feita em Dezembro de 2020, e, portanto, não foi feita mais nenhuma avaliação posterior a essa data. O problema desse valor é que pelo menos 3 mil milhões foram recuperados ao Jean-Claude Bastos de Morais, que geria o Fundo Soberano de Angola, valores que na realidade nunca deixaram de ser angolanos, por contrato só havia a gestão desses valores, sendo que, e na realidade, estamos a falar de 2 mil milhões, o que para cada um de nós seria muito, mas que não é muito relevante para um Estado.
E já agora, acha que o Estado angolano vai conseguir trazer os 900 milhões de dólares da conta Carlos São Vicente na Suíça?
Vai ser complicado porque o processo nasceu torto, as autoridades angolanas começaram por dizer que não era nada com elas e a meio é que resolveram mudar de agulha, e há um problema, e aí sim, de alguma inépcia, os processos em Angola não estão a ser muito bem instruídos do ponto de vista técnico, e depois quando são submetidos a um crivo internacional…
… estão cheios de buracos.
Exactamente. Por isso pode ser que não passem no crivo suíço. Eu tenho defendido que devia ter havido, logo no início, a criação de um organismo próprio para tratar dos casos de corrupção. As pessoas não gostam do nome, mas seria uma espécie de guarda pretoriana, técnicos especializados, dedicados, que fizessem o trabalho com muita atenção. Acho que devia haver uma Procuradoria especial contra a corrupção, com poderes próprios, para investigar e julgar só os casos de corrupção.
Com um procurador próprio, sem ser o procurador-geral da República?
Sim, com um procurador próprio. O actual procurador-geral, aliás, basta visualizar a comunicação não verbal dele para se perceber como ele se sente desconfortável.
À pergunta: em Angola há independência de poderes, o que é que responderia?
O sistema de Angola ainda é um sistema materialmente marxista, em que a independência de poderes não existe, o importante é cumprir a vontade do povoe e todos os órgãos devem estar ao serviço do povo, do proletariado, uma ideia retomada do sistema chines, não tem nada a ver com o nossos sistema da separação de poderes. O que vigora em Angola é uma síntese. Existe uma separação formal de poderes, mas não existe uma cultura jurídica que se incline para a separação de poderes, está a ser construída, pode ser que venha a ser construída, mas nunca existiu, desde a independência do país.
Acha que o MPLA tem acompanhado de forma eficaz o combate à corrupção?
O MPLA, além das próprias divisões internas, e daqueles que têm medo de ser apanhados – porque, e na realidade, ninguém sabe que será o próximo, no que é uma certa vantagem do poder presidencial – o MPLA, neste questão, não tem sido a vanguarda do proletariado, como quis no passado, tem sido a retaguarda do combate à corrupção.
Estamos pouco mais de um ano das eleições, acha que o Presidente João Lourenço tem no combate à corrupção bons argumentos políticos?
Tem bons argumentos políticos, claramente. Não se pode que não houve combate à corrupção, foram dados importantes passos, mas há imensas pontas soltas. O Presidente confiou – por alguma razão que não consigo perceber, resolveu entregar o combate à corrupção ao sistema que existia, e o sistema que existia não estava preparado para esse combate, e essa é a grande ponta solta.
Digamos que ele como general tinha uma estratégia, mas não tinha tropas preparadas para impor no terreno a sua estratégia com êxito.
De maneira nenhuma. Mesmo assim tem o argumento que tem: efectivou o combate à corrupção. Falta-lhe efectivar esse combate à corrupção em melhoria das condições de vida do povo. Tem um ano para fazer isso, não sei se vai a tempo.