Sobre a riqueza da “mulher mais rica da África”, Isabel dos Santos, e como a adquiriu, é apenas a última parte de uma longa saga de corrupção e oligarquia em Angola.
Como resultado, as eleições angolanas têm campanhas publicitárias televisivas quase inteiramente feitas por agências brasileiras. Elas são espertas e psicologicamente astutas, sempre apelando de uma maneira ardilosa para o homem cotidiano e para os mais desfavorecidos. A ideia é que o abismo entre ricos e pobres pode ser superado – embora nunca o seja -, pois a disparidade de riqueza de Angola é um espelho da do Brasil.
Isto não significa que o país não seja rico. É, sim. Tanto que, durante a crise bancária de 2008-9, que quase paralisou o Ocidente, Angola ofereceu-se para salvar Portugal. E tinha os meios para fazê-lo. A satisfação, se a oferta tivesse sido aceita, teria sido imensa. O forte se tornou fraco. Portanto, há orgulho em Angola, mas isso não significa que haja qualquer tentativa realista de elevar a condição dos pobres. Pelo contrário, a ênfase por parte da elite governante – que se encaixa na elite empresarial – e que se cruza com uma conhecida, mas cínica, elite empresarial internacional, está na aquisição e reinvestimento para mais aquisições.
Este estado de coisas é, em grande parte, resultado da guerra de independência de Portugal. Foi confusa e dividida entre três exércitos rebeldes, inimigos uns dos outros, tanto quanto inimigos das forças de ocupação portuguesas e dos colonos. Quando a independência foi finalmente conquistada, em 1975, com a facção pró-soviética a controlar Luanda, as forças sul-africanas do Apartheid invadiram o país para travar o que pensavam ser o início de um domínio de um governo marxista militante e militarizado.
Eles foram recebidos e repelidos por um exército cubano, que tinha voado sobre o Atlântico precisamente para esse fim. Os cubanos permaneceram e, na guerra civil que se seguiu entre o novo governo e o seu principal antagonista da libertação, liderado por Jonas Savimbi, a África do Sul apoiou ativamente Savimbi. Quando, em 1988, na Batalha de Cuito Cuanavale, os cubanos derrotaram os sul-africanos, duas coisas aconteceram.
Abalados pela derrota, houve um golpe palaciano no governo do Apartheid, e os securocratas foram derrubados. O novo presidente F.W. de Klerk abriu prontamente as negociações, em 1989, em Zâmbia, sobre a libertação de Nelson Mandela – e isto aconteceu no início de 1990.
Mas o governo angolano, com o seu partido no poder, o MPLA, assegurou a sua posição contra todos os concorrentes. Podia apresentar-se como o vencedor do Apartheid, a sua facção rival de libertação foi reduzida à uma sombra do que era e, o que tinha começado no caos da guerra constante – política informal por patrocínio, rede de contatos e operações clandestinas em condições emergenciais -, tornou-se a norma em tempo de paz. José Eduardo dos Santos, que foi presidente de 1979 a 2017, presidiu um sistema corrupto, e o Comitê Central do MPLA garantiu sua continuidade após o fim da guerra – e também garantiu que uma grande concentração de riqueza fosse distribuída dentro de sua própria família.
Há uma série de tópicos que emergem disso. O primeiro é que o proveito não ficou apenas na família, mas em todos os altos níveis do partido governante MPLA, incluindo pessoas como Manuel Vicente, generais Dino e Kopelipa, José Carlos de Castro Paiva, Francisco José Lemos de Maria e Joaquim Duarte da Costa David, para citar apenas alguns. Embora o sucessor dos Santos, o presidente João Lourenço, tenha lançado uma guerra pública contra a corrupção, há três principais motivos para isso: (1) ele próprio faz parte da elite do MPLA, que tem se beneficiado enormemente de negócios financeiros corruptos ou, na melhor das hipóteses, não transparentes; (2) a sua luta contra a corrupção tem sido um meio de reprimir os inimigos políticos e futuros rivais; (3) as suas acusações e incriminações contra membros da família dos Santos são exatamente para inibir qualquer possibilidade de surgimento de uma dinastia política de discípulos do pai.
O segundo ponto que emerge é que, embora Isabel dos Santos esteja atualmente na ribalta, como alvo principal de acusações de corrupção, e não há dúvida de que a sua fortuna foi fundada em fundos de investimento de origem obscura, ela pode dizer que o crescimento do seu império empresarial internacional deve-se à perspicácia empresarial, alavancando o seu nome e conexões em benefício de corporações estrangeiras que se tornaram suas parceiras, e do conhecimento profundo de investimento (que na maioria das economias emergentes seria considerado habitual). A questão que chama a atenção aqui não é tanto se ela é corrupta, ou até que ponto o seu império foi construído de forma corrupta ou válida – ou uma hábil interação entre ambos – mas até que ponto ela e os seus negócios foram apoiados por empresas internacionais.
O terceiro ponto é que o filho do presidente dos Santos, José Filomeno dos Santos, que era chefe do fundo soberano de riqueza de Angola, foi considerado inocente devido à falta de provas, e o caso foi arquivado pelo tribunal internacional de arbitragem do Reino Unido. Mas, se as acusações contra ele forem mantidas – pelo mal uso dos fundos soberanos, que pretendem ser um “para-choque” a longo prazo para garantir o futuro bem-estar do país.
Por mais estranho que seja, outros integrantes das elites, como Edmilson e Mirco Martins, Ricardo Machado, e outros que tinham parceria comercial com empresas internacionais, como a General Electric e a brasileira Odebrecht, nunca foram questionados.
Angola é um lugar de corrupção, corrupção combinada com empresas internacionais, que se apresentam como não corruptas, e que, lentamente – vacilante por algum tempo ainda – avança para áreas perceptíveis de integridade. Não é unidimensional
Agora, dito tudo isso, os angolanos não descansaram sobre louros corruptos. Eles, junto com os etíopes, são provavelmente os negociadores africanos mais habilidosos com os chineses. Sua reação contra as posições de investimento e negociação chinesas foi descrito e analisado em profundidade por Lucy Corkin. Ao mesmo tempo, os chineses exigiram, e conseguiram, uma transparência substancial nas contas públicas angolanas. Não há um padrão ocidental, mas é um ponto muito diferente de antes, quando o orçamento nacional foi descrito como “um fundo enlameado sem nenhum sentido”.
Assim, Angola é um lugar de corrupção, corrupção combinada com empresas internacionais, que se apresentam como não corruptas, e que, lentamente – vacilante por algum tempo ainda – avança para áreas perceptíveis de integridade. Não é unidimensional.
Mas é oligárquico ao extremo, especialmente porque o ex-vice-presidente Manuel Vicente é agora o conselheiro número um do atual presidente. Se o presidente Lourenço tivesse simplesmente decidido não provocar quem está quieto, desencorajar os excessos de corrupção nos bastidores, ele poderia ter garantido a estabilidade na elite governante. Mas, como resposta às acusações e incriminações que estão sendo dirigidas contra ela, Isabel dos Santos está jogando a carta que Lourenço temia – que ela pudesse concorrer à presidência.
A competência de grandes agências brasileiras, que ela então utilizaria, certamente empregaria todos os ardis politicamente corretos no corpo político que se desintegra: a atraente mulher vitimizada, que se destacou como exemplo em um continente de homens ainda mais corruptos.
Todas as discrepâncias têm ainda de ser totalmente exploradas em Angola – e com o Brasil, um dos dois gigantes do mundo lusófono.