Estado de saúde do ex-chefe de Estado continua a suscitar reações. Em Barcelona, filha apresentou denúncia de tentativa de homicídio. Em Angola, “revús” associam polémicas em torno do seu internamento à má governação.
O estado de saúde do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, internado em Barcelona, Espanha, continua a suscitar as mais vivas reações. Esta segunda-feira (04.07), a advogada que representa Tchizé dos Santos, filha do antigo chefe de Estado, confirmou à agência de notícias Lusa que foi apresentada na polícia da Catalunha uma denúncia para investigar uma tentativa de homicídio do ex-Presidente.
Tchizé dos Santos contratou os serviços dos escritórios Carmen Varela, Advogados de Família e Molins Defesa Penal para a representarem, argumentando que o antigo chefe de Estado de Angola não está a ter os cuidados que consideram ser adequados. José Eduardo dos Santos encontra-se nos cuidados intensivos, em coma induzido, após sofrer uma “paragem cardiorrespiratória”, segundo os filhos, que pediram privacidade.
Entretanto, em Angola, os “revús” – cidadãos que desde 2011 exigiam a destituição do então chefe de Estado – dizem que a sua governação serviu apenas para satisfazer os interesses de alguma elite. E isso, consideram, contribui para “o destratamento de que está a ser alvo”.
Sobre a sua governação, José Gomes “Hata”, um dos “revús” que saíram às ruas em Luanda e no Bengo para contestar o ex-Presidente, não tem dúvidas: “Ao longo dos 38 anos de governação de Eduardo dos Santos não elevámos o nível de vida dos angolanos. Pelo contrário, o MPLA liderado pelo José Eduardo dos Santos, usou o aparelho do Estado para se enriquecer”.
Arante Kivuvu, outro ativista que exigia a destituição de JES, concorda com o seu companheiro do processo dos “15+2”: “Durante a sua governação, houve mais uma pequena elite que se beneficiou de forma direta, se beneficiou das riquezas dos país e fazendo das suas. Foi uma governação distante de realização da vida de muitos angolanos”.
Manifestações de solidariedade
Em 2002, o ex-Presidente Eduardo dos Santos acabou com uma guerra que durou cerca de 27 anos. Durante o seu Governo, foi apelidado de arquiteto da paz. Talvez por este e outros motivos, nem tudo são críticas por esta altura.
Archer de Sousa Mangueira, antigo ministro das Finanças de José Eduardo dos Santos e atual governador da Provincia do Namibe, foi uma das pessoas a manifestar a sua solidariedade nas redes sociais, escrevendo um longo texto com o título “Quando a tua hora chegar”. Além deste, também circula outro texto solidário partilhado pelo deputado do MPLA João Pinto Manuel Francisco e comentado pelo deputado independente pela Bancada Parlamentar da UNITA, David Mendes.
Para o jornalista Jorge Neto, o apoio de alguns angolanos não se explica com a desilusão perante a actual Presidência: “A manifestação de solidariedade que o ex-Presidente da República recebe dos cidadãos angolanos não é pelo facto de [o atual Presidente] João Lourenço não ter correspondido com as expectativas. É, sim, porque foi um líder que durante muito tempo governou, porém nesse muito tempo de má governação algumas poucas pessoas viram algum dinheiro, o que não aconteceu quando João Lourenço tomou o poder”, considera.
Nota negativa aos dois Presidentes
O Presidente João Lourenço já vai fazendo um balanço positivo dos seus cinco anos de governação. Em 2017, quando tomou o poder, encheu os angolanos de expectativas sobre a luta contra a corrupção, despartidarização das instituções, a realização das eleições autárquicas até o respeito pelos direitos humanos, lembra José Gomes “Hata”.
“Todas estas expectativas cairam por água baixo porque o combate à corrupção passou a ser selectivo e quando não é selectivo começou a ser um combate à corrupção mais periférica. O núcleo duro manteve-se intacto”, afirma.
O ativista Arante também não faz um balanço positivo da governação de JLO, como é chamado em Angola, embora reconheça que a pandemia que o país viveu contribuiu para a nao materialização de muitos programas de Governo. “Infelizmente, os 500 mil postos de emprego [prometidos] não conseguiu cumprir na sua totalidade, mas há alguma população angolana que se beneficou”, ressalta.
Entretanto, a postura da imprensa pública tem sido criticada pela fraca cobertura sobre a saúde de José Eduardo dos Santos. Jorge Neto, ex-diretor do semanário Manchete diz que é normal num país como Angola, em que os órgãos públicos são o que chama de “servinientes”.
“João Lourenço, quando começou, deu indícios de mudança. Hoje, toda a população vê, a comunidade nacional e internacional acompanha que a imprensa pública é ‘serviniente’ do poder Executivo, do titular do poder Executivo e do partido que sustenta o Governo”, considera.