Presidente da Comissão da Carteira e Ética, Luísa Rogério, diz que “censura explícita” faz com que a Angola que a mídia apresenta “não pareça muito real”. Detenção e intimidação de jornalistas preocupam entidades.
Depois da crescente abertura vivida pelos órgãos de comunicação angolanos a partir de 2017, com o fim da chamada “era José Eduardo dos Santos”, a liberdade de imprensa em Angola tende “a piorar a um ritmo crescente e preocupante”.
Quem o diz é a presidente da Comissão da Carteira e Ética de Angola, Luísa Rogério, em entrevista à DW África, a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, assinalado esta segunda feira (03.05).
“Em 2017/2018 ficámos todos muito encantados porque os media passaram a publicar assuntos que até ao momento eram tabus. Se virmos bem, todas estas questões têm a ver com a governação passada, com a gestão decorrente do Presidente José Eduardo dos Santos, que esteve no poder até 2017. Mas quando os assuntos, quando os grandes dossiês ligados à governação presente passaram a ser abordados, aí é que vimos que afinal havia um retrocesso”, começa por explicar.
Para a jornalista, não tem havido uma evolução. “Não há um programa e nem sequer existem políticas públicas exequíveis. O próprio Estado não faz nenhum incentivo com vista a estimular a comunicação social privada. Portanto, há um défice acentuado de liberdade de imprensa que se manifesta por via da redução do pluralismo. Os maiores órgãos são controlados pelo Estado. E nós sabemos que isso acontece, que a nomeação dos PCA’s, dos conselhos de administração desses órgãos públicos, ainda é feita pelo titular do poder executivo”, sublinha.
Criminalização da atividade jornalística
Casos de detenção e intimidação de jornalistas em Angola têm chamado a atenção de entidades internacionais como o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) que, recentemente, pediu “liberdade” para a imprensa em Angola.
O país tem em consulta pública uma adequação do pacote legislativo da Comunicação Social. Luísa Rogério diz que a proposta é “encorajadora”. A atual lei de imprensa está em vigor desde janeiro de 2017 e foi promulgada pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.
Segundo a presidente da Comissão da Carteira e Ética, a criminalização da atividade jornalística – prevista na legislação atual em casos de difamação e calúnia – continua a ser um dos grandes entravesao exercício da profissão.
“Os crimes de honra não deviam resultar na privação da liberdade. Há muito tempo que defendo e acredito que as penas podiam ser convertidas em multas”, frisa.
Censura e autocensura
A jornalista angolana fala também em “censura explícita” e autocensura que condicionam o retrato do país nos órgãos de comunicação social.
“Se virmos os nossos noticiários vamos ficar com a sensação que Angola é outro país. A Angola que a media apresenta, de modo geral, não parece muito real. Tudo quanto acontece no espaço público devia ter igual tratamento na media e não tem.”
“A media privilegia principalmente as ações do governo, dos titulares de cargos públicos do partido governante. A sociedade civil, por exemplo, só é retratada com equidade quando tem alguma proximidade ou quando o assunto não belisca nenhum interesse superior. Isso acontece porque há um medo, um excesso de zelo nas redações que acaba por condicionar o desempenho dos jornalistas o que, naturalmente, se repercute negativamente no serviço prestado”, lamenta.
Liberdade de imprensa em declínio em Moçambique
Ao contrário de Angola que, ainda assim, subiu três lugares no ranking mundial da liberdade de imprensa, divulgado pela organização Repórteres sem Fronteiras a 20 de abril, Moçambique segue a tendência decrescente que tem vindo a registar nos últimos anos. O país caiu quatro posições no ranking e ocupa a 108ª posição num total de 180 países.
Fernando Gonçalves, presidente do MISA, Instituto para a Comunicação Social na África Austral, em Moçambique, lamenta o declínio do país que é atualmente o pior lusófono em África em matéria de liberdade de imprensa.
“Moçambique tem vindo a baixar nesse índice já há alguns anos e isso não é apenas uma percepção. Tem que ver com incidentes que ocorrem visando jornalistas, tem que ver com a atitude do Governo em relação à comunicação social, em particular à comunicação social do setor independente”.
“Os jornalistas são sujeitos a agressões por desconhecidos, e depois não há investigação, são detidos arbitrariamente e acusados de crimes frívolos. Portanto, isto tudo são indicadores que acumulados dão uma imagem que não é positiva sobre a situação da liberdade de imprensa no nosso país”, diz
O relatório dos Repórteres sem Fronteiras destaca o “apagão de informação no norte do país” onde a violência armada em Cabo Delgado impede o acesso livre e seguro dos jornalistas. A forte pressão sobre o jornalismo independente, a recente expulsão do país do jornalista britânico Tom Bowker ou as propostas de novas leis da comunicação social e de radiodifusão também são apontadas como retrocessos na liberdade de imprensa.
No mesmo ranking, a Guiné-Bissau ocupa o lugar 95 da tabela. Já Cabo Verde caiu duas posições, mas continua a ser um exemplo em matéria de liberdade de imprensa. Ocupa o lugar 27 ficando à frente de países como os Estados Unidos ou a França.