Luanda Leaks: “Onde está o dinheiro retirado ilegalmente de Angola”?

Um ano após o escândalo, autoridades portuguesas não revelam informações sobre a devolução de capitais angolanos transferidos ilegalmente. Destino do recurso investido por Isabel dos Santos na Efacec é uma incógnita.

Após as denúncias do escândalo Luanda Leaks – que revelou alegadas fraudes no âmbito dos negócios da empresária angolana Isabel dos Santos – iniciou-se uma mobilização internacional para a devolução do capital exportado ilegalmente de Angola.

Em Portugal, não foi diferente. A organização não-governamental Transparência e Integridade – Portugal (TI-PT) reclama da falta de informações sobre esse capital e insiste na devolução do dinheiro público angolano, investido em negociatas irregulares no país europeu.

“Não se sabe o montante do capital repatriado, quando é que eles foram repatriados e em que circunstâncias foram investidos”, critica a executiva da ONG, Karina Carvalho.

Um dos objetivos da devolução, na perspetiva da ONG portuguesa, é compensar as vítimas da corrupção – o que só pode ser feito quando se consegue quantificar os valores exportados para o exterior e os montantes devolvidos.

“As autoridades portuguesas não prestam essa informação. Eu não estou segura do modo como podem fazê-lo ou se estão de alguma forma inibidas por força dos protocolos de cooperação judiciária com Angola”.

Investimentos na Efacec

Isabel dos Santos controlava 71% do capital da Efacec, antes da nacionalização da multinacional portuguesa. O Governo português assumiu como boa a tese de que a compra da Efacec tinha sido uma compra ilegal, feita com capitais ilícitos, por isso nacionalizou a empresa.

“Aquilo que ouvimos das autoridades portuguesas é que é preciso vender as ações da Efacec, encontrar investidores e que o fruto da venda dessas ações depois terá que ser decido a quem pertence, como se por hipótese o dinheiro que Isabel dos Santos investiu na Efacec e o proveito dessas ações não pertencessem aos angolanos”, pondera Carvalho, salientando que é fundamental garantir [a devolução] dos créditos do Estado angolano investidos também na banca portuguesa.

A TI-PT questiona como foi possível existir uma instituição financeira acreditada pelo Banco de Portugal que, na realidade, funcionava em larga medida como uma máquina de lavar dinheiro.  A ONG alega que escreveu cartas ao Banco de Portugal, as não obteve qualquer resposta.

“Até ao momento não sabemos quais são as conclusões das auditorias que foram feitas ao [banco] EuroBic, nem tão pouco sabemos em que situação é que se encontra hoje em dia o EuroBic, uma vez que falhou a sua venda ao ABANCA”, lembra a ativista.

A DW África contatou o Banco de Portugal – como entidade supervisora do sistema bancário português – para obter mais informação sobre este processo de devolução de ativos a Angola, mas não obteve nenhuma resposta até o fecho desta matéria.

“Segredo das instituições”

Eugénio Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL), sugere que os capitais de cidadãos angolanos colocados de forma ilícita no estrangeiro terão ficado em Portugal para abater a dívida angolana ao abrigo das convenções entre os dois países.

“Tendo em conta os valores que o Governo angolano afirma já terem sido devolvidos e o fato de uma parte substancial da dívida de Angola já ter sido, segundo parece, também paga, podemos presumir que esse pagamento se fez talvez ao abrigo de fundos e bens que foram cativos em Portugal e que estavam na posse de cidadãos angolanos”, suspeita Almeida.

Para o analista luso-angolano, este processo “é algo que está muito bem guardado” no segredo das instituições, nomeadamente as bancárias.

“É certo que tudo isto é especulação. E como tudo o que se passa sobre os bens e os fundos eventualmente devolvidos de Portugal a Angola – ao contrário do que se passa com outros países que publicamente declaram essas devoluções e valores – está tudo no segredo dos olimpos palacianos e interbancários. E no que toca à banca tudo é feito dentro de um certo “low-profile” e dentro de um certo segredo”, pondera o pesquisador.

Não aprendeu a lição

Carvalho diz estar segura de que o caso Luanda Leaks trará frutos. Segundo a ativista, passado um ano do escândalo, o posicionamento das autoridades portuguesas não mudou. “De acordo com a Comissão Europeia], Portugal não cumpre as diretrizes em termos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo e, portanto, não aprendeu com o Luanda Leaks”, ressalta.

A propósito de influência junto a autoridades portuguesas, ela acrescenta que à TI-PT apenas “compete monitorar o fluxo de capitais de proveniência ilícita que cheguem a Portugal”.

Depois da fase de repatriamento voluntário de capitais e bens, que terminou em dezembro de 2018, a Procuradoria-Geral da República de Angola deu início ao processo de recuperação coerciva dos ativos exportados ilegalmente para o exterior do país.

 

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