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O caso da “Empresária angolana Isabel dos Santos” e a inação dos Emirados Árabes Unidos (EAU)

Os Emirados Árabes Unidos (EAU) são membros da Interpol desde 1973 e ainda assim não cumprem a “red notice” contra a empresária angolana. Há duas hipóteses, uma contestação e um afastamento político, que ajudam a explicar a situação.

Isabel dos Santos vive em permanência no Dubai desde 2020. A opção surgiu na sequência da guerra aberta com o Governo de Angola e após o Tribunal Provincial de Luanda ter decretado, a 30 de dezembro de 2019, o arresto preventivo das suas contas bancárias e embora seja alvo de um mandato de captura internacional, as autoridades angolanas têm falhado na sua detenção.

As suspeitas em torno da empresária adensaram- se em janeiro de 2020 quando o Consórcio Internacional de Jornalistas de investigação divulgou a investigação Luanda Leaks, concluindo que a sua fortuna foi construída com base nas benesses dadas pelo seu pai, José Eduardo dos Santos, o qual foi Presidente de Angola entre 1979 e 2017. Isabel dos Santos, segundo o Luanda Leaks, teria também desviado 100 milhões de dólares da Sonangol, enquanto foi presidente da petrolífera, para empresas localizadas no Dubai.

O cerco da justiça à escala internacional, promovido pela Procuradoria- Geral da República (PGR) de Angola, cresceu e em novembro de 2022 a Interpol acabou por emitir um mandato de captura internacional (“red notice”) visando Isabel dos Santos, por suspeitas dos crimes de fraude qualificada, participação ilegal em negócio, associação criminosa, peculato, tráfico de influência e branqueamento de capitais.

Desde então, como próprio FMFWorld.Org avançou, a PGR de Angola deslocou- se ao Dubai para deter Isabel dos Santos com a colaboração das autoridades locais. As duas tentativas para atingir este objetivo foram frustradas, tendo a última delas ocorrido em junho do ano passado. Nesta ocasião, o PGR angolano, Hélder Pitta Gróz, viajou para o Dubai convencido que iria ser bem-sucedido na sua missão, mas acabou por regressar a Luanda de mãos a abanar.

O que diz a lei dos Emirados

Este quadro conduz, inevitavelmente à pergunta: quais as razões que levam os Emirados Árabes Unidos (EAU), federação constitucional da qual o Dubai faz parte, a não colaborar com Angola, pese embora sejam membros da Interpol desde 1973?

Aliás, embora não existindo um tratado de extradição entre os EAU e Angola, os Emirados têm uma lei de extradição que regula os termos desta ação.

O Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África (CEDESA), que publicou uma análise sobre este tema, explica que “um pedido de entrega deve ser apresentado pelo país requerente através dos canais diplomáticos ao departamento competente e apoiado pelas informações e documentos necessários, tais como o nome e descrição da pessoa procurada, textos legais aplicáveis ao crime, e à pena aplicável, sentença condenatória, caso a pessoa procurada já tenha sido condenada, com comprovação de que a sentença é executória”.

Neste relatório, embora não se referindo concretamente a Isabel dos Santos, o CEDESA ensaia duas explicações para a inação das autoridades do EAU. “Em primeiro lugar, pode ser um ato deliberado das autoridades dos Emirados por interesse político ou corrupção local. Recordemos que o Dubai está a ser um porto de refúgio para os oligarcas russos anteriormente estabelecidos em Londres. Na realidade, pode ser política interna do Governo dos Emirados (ou do Dubai com cobertura federal) estabelecer- se como ponto global de refúgio e acolhimento de várias pessoas politicamente expostas, recebendo avultados rendimentos por esse papel de proteção”.

A segunda hipótese é a de que se “considere que a lei federal interna não está a ser cumprida na sua plenitude para levar a uma atuação das autoridades”. Ou seja, Angola não terá conseguido executar todos os procedimentos legais previstos na lei federal dos EAU. Uma “red notice” “para ser eficaz no sentido de desencadear um processo judicial federal deve ser seguida de um pedido de extradição formal que deve ser apresentado pelo país requerente através dos canais diplomáticos (Embaixada de Angola no Abu Dhabi) ao departamento competente dos Emirados apoiado pelas informações e documentos necessários, tais como o nome e descrição da pessoa procurada, textos legais aplicáveis ao crime, e a pena aplicável. E todos os documentos e informações devem ser legalizados e traduzidos para o idioma árabe”, escreve o CEDESA.

Acresce que o facto de Isabel dos Santos ter anunciado, em maio deste ano, que vai contestar a “red notice” da Interpol por se basear em “informações falsas” pode ser usado pelos EAU para protelar uma decisão relativamente à extradição da empresária. Neste intricado puzzle tem igualmente relevância a circunstância de Angola ter decidido em dezembro de 2023 abandonar a OPEP, organização da qual os Emirados Árabes Unidos são uma das referências. A opção originou, certamente, um maior distanciamento político entre os EAU e Angola que se poderá refletir no dossiê Isabel dos Santos.

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