Portugal: “A Crise que fustiga Angola” – Adolfo Luemba e Elias Tumba

A pouco mais de um ano e meio da realização das próximas eleições gerais, Angola continua confrontada com um difícil cenário económico, financeiro e social, que se iniciou em finais de 2014 e se agudizou em 2020, por causa da pandemia da Covid-19.

Nos últimos 17 meses, tornou-se comum ouvir-se, fundamentalmente das forças políticas da oposição, que o país está “sem rumo”, sem, no entanto, avaliar-se, objectivamente, o contexto económico mundial, para se aferir a eficácia ou ineficácia da governação.

De resto, é certo que não há como negar que o país esteja a atravessar uma das suas piores etapas desde o fim da guerra, marcada por quase sete anos de recessão, cenário que obriga a um quase sistemático endividamento do Estado, para se manter equilibradas as contas públicas.

Entretanto, é utópico afirmar que essa realidade pode ser ultrapassada com uma simples “varinha mágica”, sem que, antes, o próprio Mundo se refaça do duro golpe da pandemia.

Aliás, basta olhar para a forma como as grandes economias mundiais retraíram nos últimos 17 meses, para perceber que o actual quadro social e económico resulta, sobremaneira, de externalidades conjunturais, que abalaram Governos até então com grande reputação.

Importa, a esse respeito, fazer, primeiro, menção à crise petrolífera de 2014, que impactou duramente nos programas do Governo e fez reduzir as receitas públicas, deixando o Estado quase na banca rota, mesmo antes do início de funções do actual Executivo, em 2017.


À época, Angola quase bateu no “fundo do poço”, depois de uma  tendência de crescimento económico que se iniciou no ano de 2008, permitindo a materialização de importantes projectos estruturantes e o relançamento do país na arena internacional.

Impõe-se, pois, um recuo no tempo para se perceber o quadro político e económico herdado pelo Governo em funções, ao qual se pretende imputar o ónus da actual situação, pondo-se de parte todo uma conjuntura que vem de um passado recente.

Cofres vazios

Quem acompanhou, de perto, o desempenho da economia nacional, entre finais de 2014 e meados de 2017, facilmente percebeu que o consulado do novo Governo seria bastante penoso, para não dizer de poucas realizações, tendo em conta as vulnerabilidades existentes.

Com o preço do barril de petróleo muito abaixo do desejado, Angola teve de “reinventar-se” para contrapor a falta de liquidez e a drástica redução de receitas petrolíferas, a sua principal moeda de troca, fazendo correcções sistemáticas ao seu programa económico.

Em 2016, por exemplo, o Governo teve de avançar para duas mexidas consecutivas no principal instrumento de planificação financeira do país, procedendo à revisão em baixa do OGE, dando prioridade ao aumento das despesas de capital, de 5,7% para 7,7% do PIB.

O OGE de 2016, ano em que a crise se mostrou bastante acentuada, à semelhança de 2015 e, mais tarde, 2017, foi elaborado com base numa projecção macroeconómica com uma taxa de crescimento de 1,1%, valor abaixo de 3,3 porcento do orçamento inicial.

O orçamento revisto daquele ano apontou para uma taxa de inflação de 38,5 por cento, contra do orçamento inicial, um défice na óptica de compromisso de 5,9 por cento, contra 5,5 da previsão inicial.

Foi nesse cenário de incertezas, que condicionou a concretização de importantes programas do Governo, que João Lourenço chegou ao poder, ciente dos desafios e da necessidade de devolver, rapidamente, a confiança e esperança dos eleitores.


Mas, contrariamente ao previsto, o seu consulado começou “turbulento”, sem recursos  suficientes para diversificar a economia e manter, minimamente, o país nos “carris”.

Em entrevista ao Jornal Expresso, em 2018, o Presidente afirmou que o Estado estava com os cofres vazios e havia “tentativa de retirada dos parcos recursos de cerca de USD 1,5 mil milhões, para serem depositados numa conta no exterior de uma empresa de fachada”.

Conforme o Chefe de Estado angolano, só com a colaboração das autoridades britânicas foi abortada essa intensão, depois de já terem saído, ilegalmente, “500 milhões de dólares”.

Combate à corrupção

Para contrapor o problema e afirmar o seu programa de Governo, ante um contexto económico bastante difícil, João Lourenço lançou mãos a um dos principais expedientes contidos no plano de governação do MPLA sufragado ao eleitor: o combate à corrupção.

A esse respeito, afirmou que não cabia aos políticos resolver os casos de corrupção envolvendo gestores públicos e altas patentes das Forças Armadas Angolanas, cabendo, nos casos particulares, aos órgãos de investigação, Ministério Público e aos tribunais.

Sem ter recebido “uma verdadeira passagem de pastas, com os grandes dossiers do país”, como  afirmou ao Jornal Expresso, João Lourenço teve de ir atrás desses expedientes, até dar forma à Proposta de Lei de Repatriamento Voluntário de Capitais.

Foi com esse instrumento, aprovado pelo Parlamento, que iniciou o processo de confisco de bens dentro e fora do país de pessoas que se opunham ao repatriamento voluntário, tendo afirmado que era difícil ter noção do valor exacto ou aproximado desse montante.


Para isso, disse, Angola teria que fazer acordos judiciários com outros Estados, como aconteceu com Portugal, para descobrir os esconderijos do dinheiro, processo que, apesar dos resultados visíveis, ainda se mostra muito aquém do esperado.

Na essência, o mandato de João Lourenço tem sido marcado por desafios dificílimos. Além da crise do mercado petrolífero, que aos poucos se estabiliza, o país tem pela frente as dificuldades impostas pela Covid-19, hoje a principal “pedra no sapato” do Governo.

Desde 2018, João Lourenço tem vindo a efectuar importantes e profundas reformas em praticamente quase todos os domínios, fundamentalmente o económico e da administração Pública, tendo em vista, prioritariamente, a melhoria do ambiente de negócios.

Nos últimos três anos, as autoridades levaram a cabo um árduo trabalho para desencorajar o branqueamento de capitais, melhorar a gestão da coisa pública e acabar com os grupos de monopólios que obstaculizavam a livre concorrência e “minavam” os negócios.

Com o combate à corrupção, assiste-se, desde 2017, ao surgimento de um ambiente mais favorável para o investimento estrangeiro e para a administração da Justiça.

Basta notar que, até Agosto de 2019, a Procuradoria Geral da República registou 150 processos de inquérito e 80 em instrução preparatória ligados à corrupção e má gestão de fundos públicos, o que merece ser assinalado, ainda que a muitos pareça “jogo de charme”.

Recuperação de activos

Ainda no quadro desta actuação do poder judicial, a Procuradoria-Geral da República recuperou importantes activos criados com fundos públicos, até então geridos por agentes privados.

Até 2019, o órgão havia recuperado USD 286,4 milhões em posse do CIF – Angola (China International Fund), na qualidade de entidade gestora do projecto de construção do novo Aeroporto Internacional de Luanda.

O valor, resultante de um processo de inquérito instaurado pela Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção, já está em posse do Estado angolano.

O Serviço Nacional de Recuperação de Activos determinou, ainda, o arresto de três importantes unidades têxteis: as fábricas de tecidos Mahinajethu-Satec, localizada no Dondo, província do Cuanza Norte, a Alassola-África Têxtil, em Benguela, e Nova Textang II, em Luanda.


Segundo a PGR, algumas dessas unidades fabris estavam “em processo de privatização irregular”, sendo que outras foram financiadas e suportadas com garantia soberana do Estado, sem, no entanto, ter havido o reembolso voluntário desses fundos públicos.

Além das fábricas têxteis enumeradas, foi arrestada a Fábrica de Cimento do Cuanza Sul, empreendimento fabril a quem o Estado angolano, através da petrolífera Sonangol, emprestou USD 820.513.293,40, sem que tenham sido feitas quaisquer amortizações.

Outro dossier mediático teve a ver com a Geni SA, com quem o Estado angolano, através da petrolífera Sonangol, celebrara um contrato de mútuo, no valor em kwanzas equivalente a USD 353.280.000,00, para a aquisição de participações sociais no Banco Económico.

De igual modo, foi “instaurada uma providência cautelar não especificada” contra o Grupo Suninvest, para a entrega ao Estado de fábricas de medicamentos nas províncias de Luanda e Benguela, acções que atestam o compromisso dos angolanos com o combate à corrupção, apesar das críticas ainda patentes sobre uma hipotética selectividade processual.

Estes e outros activos serão postos à disposição do empresariado privado, no âmbito do ProPriv, programa estratégico que prevê privatizar 195 empresas públicas até 2022, das quais 32 estão classificadas como empresas de referência nacional, nos sectores dos Recursos Mineiras e Petróleos, Telecomunicações e Tecnologias de Informação, Transportes, Finanças, Hotelaria e Turismo, Agricultura e Indústria.

Entre as empresas a alienar destaca-se a petrolífera Sonangol, a transportadora área nacional TAAG, Correios de Angola, Angola Telecom, Empresa Nacional de Seguros de Angola (ENSA), Empresa Nacional de Diamantes de Angola (Endiama), as participações na operadora Unitel, Banco de Comércio Indústria, Banco Económico, a cimenteira Nova Cimangola, Bolsa de Valores e Derivativos de Angola (BODIVA) e Mota-Engil Angola.

Ainda no domínio económico, o Governo tem “experimentado” várias medidas para “reaquecer” a economia e aumentar a base tributária, com destaque para a implementação do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), que se revelou praticável, apesar dos temores dos agentes comerciais na fase primária do processo.

Volvidos vários meses desde a sua implementação, o IVA é hoje uma realidade com a qual os angolanos começam a acostumar-se e uma boa forma de arrecadação de receitas, que exige, todavia, contrapartidas cada vez mais ajustadas da parte do Governo.

As autoridades introduziram ainda o Imposto Especial de Consumo e o Imposto Predial (IP), com a intenção de aumentar, fundamentalmente, as receitas públicas, e contornar o cenário de acentuada crise financeira.

Pretende-se, com essas medidas económicas, equilibrar a balança de pagamentos, numa altura em que o país regista défices orçamentais claros e aposta no endividamento externo como “tábua de salvação”, para relançar e manter funcional a sua economia.

Trata-se de políticas que trarão resultados práticos para o país, a médio ou longo prazos, apesar dos receios dos agentes económicos de que, com o reforço da base tributária, fundamentalmente, fica “em risco” a sobrevivência de várias empresas do sector privado.

Quer o IVA, quer o Imposto Especial de Consumo surgiram numa altura difícil, mas quase não restam dúvidas de que eram medidas inadiáveis e fulcrais para o cumprimento do desiderato do aumento de receitas públicas.

Taxa de câmbio

Visando a melhoria da situação económica, foi ainda liberalizada em 2019, pelo Banco Nacional de Angola, a taxa de cambial, para fazer face ao risco de escassez de divisas.

Para tal, o Comité de Política Monetária do Banco Central removeu a margem de dois (2) por cento imposta à venda de divisas a clientes, pelos bancos comerciais, desde Janeiro de 2018, propiciando a desvalorização acumulada do Kwanza em 37,7 por cento.

Para assegurar a estabilidade nos mercados monetários, de bens e serviços, o Banco Nacional de Angola (BNA) manteve a taxa básica de juros a 15,5 por cento e aumentou o coeficiente de reservas obrigatórias dos bancos comerciais, de 17 para 22 por cento.

De igual modo, estabeleceu a taxa de juro de 10 por cento para a facilidade permanente de absorção de liquidez, com maturidade de sete (7) dias, no sentido de o excesso de liquidez não absorvido pela economia vir a ser aplicado em títulos do Banco Central.

Com vista a reduzir as assimetrias regionais e a pobreza, um dos aspectos muito criticados pela oposição, o Governo lançou mãos ao Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) e ao Programa de Apoio ao Crédito (PAC), além do Prodesi, para estimular a produção nacional.

Só no período de Março a Abril deste ano, 122 projectos “viram a luz do sol” no âmbito do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), em todo o território nacional.

A Huíla liderou a lista de províncias com projectos concluídos, com 40 obras já inauguradas, de um total de 122 já finalizadas em todo o país, segundo o Governo.

O grau de execução dos projectos na Huíla rondou os 97 por cento, sendo que Moxico, Cunene, Huambo, Zaire e Lunda-Norte foram as que menos projectos executaram.

Na província de Luanda, o grau de execução rondou os 75 por cento, no período em referência. Cacuaco e Viana registam níveis baixos de execução.

Ainda no âmbito quadro da estratégia de combate à pobreza, em particular no sul do país, o Governo tem vindo a implementar diferentes projectos estruturantes para contrapor a seca.

Trata-se de investimentos que visam melhorar o fornecimento de água e a assistência alimentar,  nas províncias do Cunene e do Namibe, aproveitando as águas do rio Cunene.

Estas províncias, principalmente o Cunene, têm beneficiado de vários apoios para reduzir o sofrimento das populações afectadas pela estiagem, mormente em alimentos, água, roupas, camiões e moto-cisternas, além da abertura e manutenção de chimpacas e de furos.

Desde o começo do ano, várias toneladas de alimentos já foram enviadas, estando neste momento a caminho para apoiar as populações mais de 200 toneladas de produtos diversos, obtidos no âmbito da Campanha “Abraço Solidário”, organizada pela comunicação social.

Assim, é inegável que se trata de medidas de emergência adoptadas pelo Governo, para mitigar os efeitos da crise económica e da pandemia em Angola, cujo impacto tem sido de grandes proporções, fazendo retardar a conclusão de vários projectos estratégicos.

Para mitigar os efeitos da Covid-19, o Executivo alocou verbas na construção de unidades hospitalares, em várias províncias do país, e na compra de material gastável para prevenir e tratar dos casos positivos, o que tem vindo, de alguma forma, a comprometer outros sectores estratégicos do país, como a agricultura e a indústria.

Trata-se de verbas que ajudariam a relançar a economia nacional, que devem ser melhor racionalizadas, no quadro de uma estratégia cada vez mais ajustada à realidade do país.

Tendo em atenção os desafios do país, não se pode permitir que verbas saídas do OGE, para acudir casos pontuais trazidos pela Covid-19, possam ter usos contrários, por quem quer que seja, sob risco de o país continuar cada vez mais longe da estabilidade económica.

É imperioso que, até ao fim do presente mandato, o Executivo encontre soluções viáveis para contornar a tendência do aumento do preço dos principais produtos da cesta básica, já bastante desajustados e fora da capacidade real de compra dos cidadãos.

Apesar da crise financeira e da pandemia, o país deve encontrar alternativas para estacar a alta de preços, aumentar a produção nacional e reaquecer, consequentemente, o mercado de emprego, uma das exigências do eleitor e das promessas saídas das eleições de 2017.

Sendo certo que o cenário é adverso, quer em Angola, quer no resto do Mundo, e que, com a pandemia da Covid-19, nenhum Estado pode dar-se ao luxo de considerar-se imune a externalidades económicas, os parcos recursos financeiros devem ser, imperiosamente, geridos com rigor pelas autoridades governamentais.

O momento e o contexto impõem sacrifícios e espírito patriótico a governantes e governados, que devem caminhar juntos nessa luta comum, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, mormente do sistema de saúde pública, da educação, habitação, da produção interna e do ambiente de negócios.

Só com essa conjugação de esforços, o Estado caminhará seguro rumo à estabilidade económica e vencerá as contrariedades da Covid-19, criando, por outro lado, um ambiente propício para as desejadas eleições de 2022, o único caminho válido para renovar ou penalizar quem recebeu, democraticamente, o poder de gerir o Estado.

Por Adolfo Luemba e Elias Tumba

 

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