Portugal: “As reformas da governação” do presidente angolano João Lourenço

Angola vive mudanças no sector fiscal, real, monetário, financeiro, petrolífero e na administração pública. Para o Chefe do Executivo, as reformas são irreversíveis. Reformas estas que decorrem num contexto em que a economia não cresce há cinco anos, um “cocktail” marcado pela COVID-19, queda da produção de petróleo, desvalorização e recuperação do Kwanza, alta inflação e combate à corrupção e à impunidade.

O Presidente da República, João Lourenço, completou, recentemente, quatro anos a governar Angola, desde a sua investidura a 27 de Setembro de 2017, trajectória marcada pelas reformas na economia.

O Titular do Poder Executivo começou por criar a Comissão Interministerial para a Reforma do Estado através do decreto Presidencial nº 15/18, de 19 de Fevereiro, para a concertação, materialização e monitoria das acções do Programa de Reforma do Estado, sendo coordenada pelo Presidente da República.

O Executivo aprovou um conjunto de medidas de respostas, consubstanciadas em três instrumentos: Plano Intercalar (Outubro 2017 a Março 2018), Plano de Estabilização Macroeconómica (PEM) e acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), todos em 2018.

Em Novembro de 2019, João Lourenço considerou que as reformas iniciadas no País são irreversíveis. “Chegamos num ponto de retoma, ou seja, as reformas atingiram um nível que mesmo com alguma turbulência temos de seguir em frente”, garantiu.

Para João Lourenço, as reformas em curso “pecam por estarem a acontecer apenas agora”, pelo que se aplicadas antes, o País estaria hoje a beneficiar de uma economia mais sólida e sustentada.

João Lourenço orienta reformas no sector fiscal, real, monetário, financeiro, petrolífero e na administração pública, com a forte intervenção das instituições de Washington, nomeadamente, o Banco Mundial e o FMI.

Em entrevista concedida anteriormente ao Mercado, Alves da Rocha, economista e director do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, considera que os efeitos sociais das sugestões do FMI sempre tenderão a ser devastadores sobre uma população desprovida de defesas.

“A Dívida Social que se criou, na verdade ampliada pelas sugestões de recuperação dos défices fiscais do FMI, tem uma expressão incomensuravelmente maior do que a dívida pública e a sua recuperação vai demorar anos, porque se trata de repor equilíbrios psicológicos, de dignidade e de amor próprio rompidos pela condição de pobreza”, afirmou, recentemente, o economista em entrevista ao jornal Mercado.

Para o economista e investigador do Cinvestec, António Estote, o FMI veio legitimar apenas algumas medidas de austeridade que se exigiam.

“Do ponto de vista económico, olhando sobretudo para a satisfação de necessidades das populações, estamos numa situação bastante crítica que exige medidas sérias e temos que arregaçar as mangas”, disse Estote.

Já o representante do FMI em Angola, Marcos Souto, considera que as reformas em curso no País estão no bom caminho, mas chama a atenção pelo facto de a dívida pública estar sujeita a riscos elevados, grande parte associados à dependência muito forte que a economia angolana tem da actividade petrolífera.

“Apesar de todo o avanço, precisamos não perder de vista que existem ainda riscos relevantes apesar da melhoria do ambiente interno e estes riscos continuam a ser significativos, em particular aqueles relacionados ainda aos elevados níveis da dívida”, afirmou Marcos Souto durante o seminário virtual “Descomplicar o OGE (Orçamento Geral do Estado)”, organizado pelo Ministério das Finanças, O FMI recomenda que a política monetária precisa manter a sua orientação restritiva para combater a inflação elevada, os avanços na liberalização da taxa de câmbio e na reposição das reservas estão a aumentar a flexibilidade da economia e a sua resiliência.

As reformas

A nível fiscal, o Executivo estabeleceu quatro vectores principais: Melhoria da Qualidade da Despesa Pública; Expansão da base tributária e reformas tributárias pró-crescimento; Mudanças na estrutura da dívida e Reformas das Empresas Públicas.

De acordo com a ministra das finanças, Vera Daves, o processo de consolidação fiscal em Angola tem desempenhado um papel essencial devido aos objectivos de reduzir a vulnerabilidade fiscal, diminuir a acumulação de dívida e alcançar um crescimento económico estável.

No que respeita a expansão da base tributária e reformas tributária pró-crescimento, foram introduzidos tributos mais eficientes como o Imposto sobre o Valor Acrescentado(IVA), o Imposto Especial de Consumo (IEC), e reformados o Imposto sobre o Rendimento do Trabalho (IRT), o Imposto Industrial e o Imposto Predial. Como resultado, entre 2017 e 2019 as Receitas Não Petrolíferas cresceram 78%.

Já para a mudança na estrutura da dívida, fez-se o alongamento da curva de vencimento da dívida, minimizando as emissões de Bilhetes do Tesouro e realizando acordos com determinados credores (incluindo, no âmbito do DSSI do G20).

Aumentou-se também, a importância das dívida s concessionais, sustentadas pelo programa EFF em curso com o FMI que permitiu o País a ter acesso directo de 4,5 mil milhões USD. Para as reformas das empresas públicas, o Executivo criou o Programa de Privatizações (PROPRIV 2019-2022), que foi aprovado por Decreto Presidencial nº250/19. De acordo com Vera Daves, provavelmente, não vai se conseguir concluir o Programa de Privatizações em 2022, porque algumas empresas, como a Sonangol e Endiama, ainda estão em reestruturação.

Quanto às reformas no domínio do sector real, o Executivo criou a Autoridade Reguladora da Concorrência, na sequência da aprovação pelo parlamento, em março de 2018, da Lei da Concorrência, que se destina a prevenir e sancionar as acções dos agentes económicos incumpridores das regras e princípios da concorrência. Em setembro de 2020 criou-se a Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar (ANIESA), dentro da reforma do regime de preços.

No domínio do sector monetário, viu-se a extinção do regime cambial com bandas e as vendas directas, adoptando-se o regime cambial flexível. Segundo o Banco Nacional de Angola (BNA), os leilões passaram a reflectir a procura do mercado.

Em 2020 o banco central aderiu à plataforma Bloomberg (FXGO) e instruiu as companhias petrolíferas a vender moeda estrangeira directamente aos bancos comerciais na plataforma. No final de Junho, as empresas diamantíferas também começaram a negociar, e em Outubro, o Tesouro Nacional. Como resultado, o gap entre as taxas do mercado informal e formal passaram de 159% (2017) para menos de 20% (2020).

Também houve reformas no sector financeiro. Como objectivo de melhorar o quadro da regulação prudencial, reviu-se a Lei n.º 14/21, de 19 de Maio, Lei do Regime Geral das Instituições Financeiras que extinguiu o Conselho Nacional de Estabilidade Financeira (CNEF), criado em 2015, e cria o Conselho de Supervisores do Sistema Financeiro (CSSF), que é presidido pelo governador do banco central.

Os bancos foram obrigados a aumentar o capital próprio, que culminou com o encerramento dos bancos Mais, Postal, BANC e o Kwanza Investimento, por falta de fundos próprios, requisito necessários à continuidade da actividade bancária.

No âmbito da reforma do sector petrolífero angolano, a Assembleia Nacional aprovou em Abril de 2019, a Lei das Actividades Petrolíferas (Lei n.º 10/04, de 12 de Novembro), através da Lei n.º 5/19, de 18 de Abril.

Um dos aspectos principais desta alteração foi à instituição da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (“ANPG”) como nova Concessionária Nacional, titular dos direitos mineiros petrolíferos, entidade que põe termo ao monopólio da petrolífera estatal Sonangol.

Quanto à liberalização do mercado, em 2018, criou-se também o Estatuto Orgânico do Instituto Regulador dos Derivados do Petróleo e esta agência está em funcionamento.

No respeita a administração publica, as reformas de João Lourenço atingiram também os ministérios, a estrutura do Governo foi reduzida para 21 pastas, ditando assim o desaparecimento, nesta legislatura, de 12 ministérios.

Nesse sentido foram feitas as fusões dos ministérios da Defesa com o dos Antigos Combatentes, o da Cultura com o da Hotelaria e Turismo, das Telecomunicações e Tecnologias de Informação com o da comunicação Social e o da Agricultura e Florestas com os das Pescas e do Mar.

Viu-se ainda a criação do Projecto de Simplificação de Actos e Procedimentos da Administração Pública (SIMPLIFICA), que visa a implementação de boas práticas na Administração Central e Local do Estado, foi aprovado, em Junho deste ano, pela Comissão Interministerial para a Reforma do Estado.

A diplomacia económica também marcou os quatro anos de João Lourenço, desde a tomada de posse do presidente João Lourenço, em Setembro de 2017.

No roteiro de viagens oficiais e de carácter privado, contam-se já mais de 30 países visitados com forte enfoque no reforço das relações externas e na atracção do investimento estrangeiro.

 

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