O antigo Presidente da República regressou a Angola sem ouvir a família e viajou para Luanda num avião Falcon 7X do general Leopoldino Fragoso do Nascimento. As falhas de protocolo e os lapsos mediáticos jogam a favor de Eduardo dos Santos.
José Eduardo dos Santos voltou no passado dia 14 de setembro a Angola ao fim de dois anos de um exílio autoimposto. O antigo chefe do Estado tinha-se ausentado do país em abril de 2019, tendo assentado morada em Barcelona de onde saiu apenas durante o período que mediou entre dezembro de 2020 e abril de 2021. Neste intervalo, esteve no Dubai, ao lado de Isabel dos Santos, na sequência do falecimento de Sindika Dokolo, marido da sua filha.
O primeiro deles é o de que o ex-Presidente da República viajou para Angola sem avisar previamente a família. Em ocasiões anteriores, as filhas, Isabel e Tchizé dos Santos, manifestaram-se contra esta intenção e José Eduardo dos Santos, agora, resolveu agir por conta própria.
O segundo aspeto tem a ver com as condições da deslocação. José Eduardo dos Santos viajou diretamente de Barcelona para Luanda num avião Falcon 7X que é propriedade do general Leopoldino Fragoso do Nascimento (“Dino”), um dos fiéis escudeiros do antigo Presidente, que a justiça angolana impediu de sair do país. Ou seja, Eduardo dos Santos prescindiu de um voo comercial e não fez quaisquer diligências junto do Palácio da Cidade Alta para que o seu regresso fosse organizado pelo Governo.
Numa só penada, José Eduardo dos Santos removeu duas condicionantes que poderiam constranger os seus movimentos. Saiu da influência das filhas, as quais nunca mais voltaram ao país e estão definitivamente desavindas com João Lourenço, e prescindiu de um tratamento de deferência por parte do Estado.
Os erros alheios e a omissão da TPA
A par disso, José Eduardo dos Santos marcou pontos devido a erros alheios. A ausência de qualquer membro do Governo ou dirigente do MPLA, do qual ele é presidente emérito, e a circunstância de a Televisão Popular de Angola (TPA) ter omitido a chegada do antigo Presidente a Luanda foram indicadores claros de que a reação a esta viagem por parte do poder não foi devidamente planeada. Por vontade própria, ou ser mais papista do que o Papa, o silêncio inicial da TPA criou um problema para João Lourenço. O atual líder angolano tentou mitigar o erro, anunciando, a 16 de setembro, na página oficial da Presidência da República, uma interação entre ambos: “O Presidente João Lourenço e o ex-Presidente José Eduardo dos Santos mantiveram hoje ao fim da tarde uma conversa telefónica em que se saudaram mutuamente.” Esta conversa foi noticiada pela TPA, mas não removeu o “pecado original”.
José Eduardo dos Santos está agora numa posição favorável. O MPLA espera que este regresso seja uma oportunidade para a reconciliação entre o antigo e o atual Presidente, capaz de contribuir para que o partido vença as eleições de 2022, enquanto a UNITA anseia que Eduardo dos Santos frature o MPLA e abra caminho para a afirmação política da oposição.
Neste contexto, o ex-Presidente de Angola ganhou uma importante vantagem, a de pôr os outros protagonistas, João Lourenço, MPLA e UNITA, à espera da natureza do seu próximo movimento. E este constitui um trunfo negocial não negligenciável.