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Portugal: José Sócrates nega subornos para intermediar “negócios” em Angola

Ex-primeiro ministro português José Sócrates confirma à DW que se encontrou com o antigo vice-Presidente angolano Manuel Vicente, mas desmente ter recebido “luvas” para facilitar investimentos do grupo Lena em Angola.

José Sócrates foi acusado de usar a sua influência para facilitar negócios na Venezuela ou em Angola, em benefício do grupo Lena, a que estava ligado o seu amigo engenheiro Carlos Santos Silva, em troca de favores.

O ex-primeiro-ministro português confirmou esta quinta-feira (15.04) à DW África que se encontrou com o antigo vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, mas desmente ter recebido “luvas” para intermediar negócios do grupo Lena em Angola.

“A empresa Lena disse-me que tinha um contrato que estava suspenso pelo Governo angolano e perguntou-me se eu podia ajudar para que eles pudessem ser recebidos pelo vice-Presidente Manuel Vicente, que eu conhecia muito bem ao longo dos meus seis anos [de Governo]. E eu disse imediatamente que sim, que tinha gosto em fazer isso”, conta.

O ex-governante considera que era esse o seu dever como governante e lamenta que isso tenha sido transformado num indício de corrupção. “Fiz isso pela empresa Lena como fiz por muitas outras empresas em Angola. Não fui pago para isso. Ainda por cima, nessa altura, as empresas estavam a passar por muitas dificuldades”, lembra.

José Sócrates falou esta quinta-feira (15.04) à imprensa estrangeira em Portugal na sequência da recente decisão judicial, pronunciada pelo juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, que o iliba de três crimes de corrupção passiva, no âmbito da “Operação Marquês”, iniciada em 2013.

O primo de Benguela

Por outro lado, Sócrates lembrou o caso do seu primo, José Paulo Pinto de Sousa, empresário de Benguela, ilibado pela Justiça depois de tudo fazer para provar a inocência dos crimes de que também era acusado.

“Sempre teve uma conta na Suíça desde os anos 50. Foi buscar todos os extratos bancários para provar isso. Ele reconstituiu toda a sua vida financeira para provar que não era nenhum testa-de-ferro meu”, sublinhou.

De acordo com a imprensa portuguesa, Pinto de Sousa será o titular do offshore Benguela Foundation e de um património de 300 milhões de euros que estará guardado num banco suíço, tendo feito já consideráveis investimentos em Angola.

“Cabala judicial”

Agora ilibado de corrupção passiva de titular de cargo político, José Sócrates deverá responder em tribunal por crimes de branqueamento de capitais e falsificação e documentos. O antigo governante critica a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa. Nas suas palavras, “nada disto tem dignidade para ir a julgamento”.

“Mas o pior de tudo é que o senhor juiz falou disto tudo e esqueceu-se de dizer que nunca, em nenhuma circunstância, durante sete anos eu fui confrontado com esse crime. O senhor juiz não pode imputar um crime e dizer que tem dignidade para ir a julgamento sem que antes o visado se pudesse defender desse crime”, disse.

Sócrates qualifica de “cabala judicial” a sua prisão em novembro de 2014, no âmbito da “Operação Marquês”, por ter ficado 11 meses detido sem acusação formal: “Fui detido para interrogatório quando vinha a entrar no país e não a sair com a justificação de perigo de fuga. Fui preso durante 11 meses sem acusação. Não tive acesso aos autos a não ser em 2015, mais de um ano depois de ter sido preso.”

O ex-primeiro-ministro socialista, que viria a ser acusado pelo Ministério Público de 31 crimes de corrupção, branqueamento de capital, falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada, denuncia uma campanha difamatória contra a sua figura.

O objetivo político seria impedir a sua candidatura às eleições presidenciais de 2016.

“Durante sete anos houve violações de segredos de justiça permanentes que conduziram a uma campanha difamatória contra mim da qual me defendi como pude”, criticou. Para o antigo primeiro-ministro, pretendia-se com este processo, ao longo destes sete anos, pôr em causa a sua reputação.

Julgamento célere?

O jurista Rui Verde não vê a decisão do juiz Ivo Rosa tão negativamente, do ponto de vista da acusação, como muitos comentadores em Portugal. Há um “núcleo duro de factos” que permite um julgamento célere, afirma.

“Acho que é uma decisão que acaba por ser positiva porque cria um contacto forte de presunção de culpabilidade que pode ir desde já a julgamento. Em vez de termos um julgamento a atrasar-se, o que o juiz Ivo Rosa permitiu com a sua decisão é um julgamento rápido de José Sócrates”, considera.

Para o analista português, “em termos de influência direta, neste momento, as relações em Angola deixaram de ser relevantes, porque Hélder Bataglia [empresário luso-angolano acusado de cinco crimes de branqueamento e dois crimes de falsificação de documentos] deixou de ser acusado. José Paulo Pinto de Sousa também deixou de ser acusado e o grupo Lena também saiu. Estas eram as referências principais a Angola que havia no processo e que foram desconsideradas pelo juiz Ivo Rosa. Não têm aparentemente relevância criminal. ”

O investigador na Universidade de Oxford, em Inglaterra, argumenta que a relação a Angola mantém-se, em todo o caso, numa perspetiva muito diferente.

O que se está a ver e que deve servir de exemplo para Angola é que os chamados megaprocessos não funcionam. Na luta contra a corrupção em Angola, as autoridades devem procurar evitar os megaprocessos e fazer processos curtos e cirúrgicos”, defende. “Aliás, têm-no feito até agora”.

Para Rui Verde, “é uma ficção dizer que os processos judiciais sobre políticos são apenas processos de justiça. Não são. Os processos sobre políticos são processos políticos. Isso é verdade em Angola, em Portugal e no Brasil.”

 

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