Manuel Vicente reuniu-se com o Presidente, João Lourenço, e entrgou documentos que implicam José Eduardo dos Santos nos negócios de corrupção da Sonangol.
Depois de um longo silêncio, o antigo vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, esteve no palácio presidencial para denunciar, diante de João Lourenço, a participação de José Eduardo dos Santos em alguns dos maiores negócios que, dentro e fora do país, envolvem a Sonangol.
Ainda é cedo para concluir o que a partir dessa audiência pode vir a mudar no combate à corrupção em Angola, mas, segundo apurou o Expresso, já não restam dúvidas para as autoridades de Luanda de que o ex-Presidente foi o grande arquiteto de toda a engenharia negocial da petrolífera.
O antigo patrão da Sonangol ter-se-á feito acompanhar de elementos que comprovam ordens dadas expressamente por José Eduardo dos Santos que deram origem a alguns dos maiores escândalos de corrupção que estão entregues aos tribunais tanto em Angola como no estrangeiro. Assim, ter-se-ão desfeito algumas das suspeitas que recaíam sobre Manuel Vicente e sobre o general Hélder Vieira Dias (Kopelipa), antigo chefe da Casa Militar.
Além de Manuel Vicente, o auxílio de outros antigos altos funcionários da petrolífera angolana que no passado trabalharam diretamente com o então Presidente tem sido também determinante para juntar todas as peças do puzzle.
No decurso da audiência, Manuel Vicente terá apontado o nome de José Eduardo dos Santos como ordenador da operação que deu lugar à construção, com fundos da petrolífera angolana, dos três edifícios que, na posse de algumas figuras da Sonangol, foram recentemente nacionalizados pelo Estado. “Quando esteve na Sonangol, essa operação simbolizava uma das muitas portas que Isabel dos Santos queria abrir, sem saber que poderia encontrar lá dentro o pai”, confidenciou um antigo administrador da companhia.
“Ninguém fazia nada sem a sua autorização e ninguém se opunha às suas decisões”, recorda um ex-governante ouvido pelo Expresso. Com base nesse princípio, depois de ter dado uma explicação técnica do processo de pagamentos ao exterior por via de carregamentos de petróleo, Manuel Vicente terá colocado também em José Eduardo dos Santos a responsabilidade pelo multimilionário negócio que envolveu a petrolífera angolana e o CIF, do empresário sino-britânico Sam Pa.
Vicente falou ainda do caso da seguradora AAA, atualmente em liquidação, e de outra operação feita sob a chancela de Eduardo dos Santos: a compra pelo consórcio China-Sonangol — detido em 30% pela parte angolana — de uma frota de aviões Air Bus e jatos executivos que, estando a voar sem o controlo das autoridades de Luanda, tem levantado também suspeitas de desvios de fundos angolanos.
Resta saber agora como os serviços de investigação judicial vão avaliar o grau de envolvimento de Manuel Vicente na execução das operações financeiras atribuídas ao antigo Presidente angolano e que, no exterior, deram lugar à criação de ativos estimados em mais de 4 mil milhões de dólares.
À medida que se vão descobrindo novas conexões e se vai tornando mais comprometedor o seu envolvimento, o ex-Presidente de Angola tem tomado algumas medidas. Depois de ter revelado aparente indiferença à prisão do filho, Filomeno dos Santos, o primeiro sinal acabou por ser dado quando, de Barcelona — onde recebe tratamento médico há mais de um ano —, enviou um emissário a Luanda com um telemóvel especial para intermediar o contacto com João Lourenço. “O objetivo era persuadir o Presidente a deixar viajar para Espanha o general Dino, seu antigo lugar-tenente, mas ao fazê-lo não conseguiu deixar de demonstrar que continua a viver com os fantasmas securitários do passado”, explicou um antigo funcionário da Presidência angolana.
Agora, com o cerco a apertar-se, fez saber que vai falar diretamente com o procurador-geral da República. A verdade é que, ao fazê-lo, será já depois de Manuel Vicente, receando fugas de informação por parte da PGR, ter remetido diretamente a João Lourenço “uma carta e documentos de Estado muito sensíveis que, envolvendo o nome de Eduardo dos Santos, poderão ter ajudado a desfazer zonas cinzentas de alguns dos casos em que o seu nome é tido como peça-chave”, explicou fonte dos serviços de inteligência angolana.
O Expresso tentou, sem sucesso, obter uma reação de José Eduardo dos Santos. Manuel Vicente revelou “ter tido uma audiência bastante proveitosa” com o presidente e uma fonte do gabinete de João Lourenço limitou-se a confirmar o encontro sem entrar, contudo, em quaisquer detalhes.
Depois de entregar os documentos no palácio presidencial, o antigo Vice-Presidente de Angola, Manuel Domingos Vicente seguiu ao Dubai para se encontrar com José Eduardo dos Santos.