spot_imgspot_imgspot_imgspot_img

Portugal: “O 4 de fevereiro de 1961 e a guerra colonial em Angola” – Diana Andringa

Em 1969, a jornalista Diana Andringa escreveu um artigo para a Vida Mundial, intitulado “Angola: Oito anos de luta”. O texto, cortado pela Censura, não chegou a ser publicado. Mais de 50 anos depois, o Esquerda.net recupera o seu testemunho sobre o início da guerra na ex-colónia e as lutas internas entre movimentos angolanos.

Angola 1961: Uma região de 774.495 quilómetros quadrados, com uma população de 4.500.000 africanos, 200.000 europeus e 40.000 mulatos, que exporta café, diamantes, açúcar e algodão. Uma região dominada há séculos pelos portugueses, aparentemente calma.

Na madrugada de 4 de fevereiro, no entanto, guerrilheiros africanos atacam, em Luanda, a casa de reclusão militar, a cadeia administrativa de São Paulo e o Quartel da Companhia Móvel da Polícia de Segurança Pública. A 5, no enterro de alguns soldados mortos, trava-se luta. De Conacry, o Movimento Popular de Libertação de Angola (M.P.L.A.), de Mário Pinto de Andradei e Viriato Cruzii, reivindica a autoria do ataque. É a guerra de Angola que começa.

Mas, para muitos, o começo da guerra situa-se antes, a 15 de março do mesmo ano, numa plantação de café perto de S. Salvador do Congo, a 100 quilómetros da fronteira congolesa. Nesse dia, trabalhadores negros em greve atacam o patrão que pretende que retomem o trabalho, acendendo o rastilho a uma rebelião sangrenta que se estende por todo o norte de Angola, do Atlântico ao Cuango, do Congo ao Cuanza, e pela qual a U.P.A. (União dos Povos de Angola), de Holden Robertoiii, se afirma responsável.

A 14 de abril de 1961, são exonerados dos seus cargos: general Júlio Botelho Moniz, ministro da Defesa, coronel Almeida Fernandes, ministro do Exército, almirante Lopes Alves, ministro do Ultramar, tenente-coronel Costa Gomes, subsecretário de Estado do Exército, professor Adriano Moreira, subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, e nomeados para os substituir, respetivamente, prof. Oliveira Salazar, ao tempo Presidente do Conselho, brigadeiro Mário Silva, prof. Adriano Moreira, tenente-coronel Jaime da Fonseca, dr. João Costa Freitas. Finalmente, é o general Manuel Gomes de Araújo que toma posse do cargo de comandante das Forças Armadas. Ao aceitar o cargo de ministro da Defesa, diz o professor Salazar:

“Se é precisa uma explicação para o facto de assumir a pasta da Defesa Nacional mesmo antes da remodelação do governo que se efetuará a seguir, a explicação pode concretizar-se numa palavra, e essa é: Angola.

Pareceu que a concentração de poderes da Presidência do Conselho e da Defesa Nacional, bem como a alteração de alguns postos noutros setores das forças armadas facilitaria e abreviaria as providências necessárias para a defesa eficaz da província e a garantia da vida, do trabalho e do sossego das populações. Andar rapidamente e em força é o objetivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão. Como um só dia pode poupar sacrifícios e vidas, é necessário não desperdiçar desse dia uma só hora para que Portugal faça todo o esforço que lhe é exigido a fim de defender Angola e, com ela, a integridade da Nação”.

Portugal está em estado de emergência. Enquanto, de Angola, regressam famílias de colonos, chegam as primeiras tropas chamadas a defender a integridade da Nação.

O norte de Angola e, principalmente, a região dos Dembos, mantém-se em luta acesa. A aviação portuguesa ataca sem cessar, apoiando a caminhada, mais lenta, do exército. Tropas africanas do sul de Angola e corpos de voluntários africanos auxiliam o exército português. Em agosto, forças portuguesas retomam Nambuangongo. Em outubro, o governador-geral de Angola pode anunciar que a guerra acabou, o inimigo foi disperso e os postos administrativos reocupados.

Em dezembro, no entanto, o M.P.L.A. declara-se pronto a tomar a ofensiva e a U.P.A. anuncia que há angolanos a receber treino militar na Argélia, e que em breve surgirá um governo provisório. O Governo Revolucionário de Angola em Exílio, G.R.A.E., de Holden Roberto, é proclamado em abril de 1962.

Baixa de Kasanje – a revolta camponesa de 1961

No norte mantêm-se focos de guerrilha, sempre reprimidos pelo exército português. Surgem focos no enclave de Cabinda, que se reclamam ora da U.P.A., ora do M.P.L.A., ora do M.L.E.C., Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda, que sublinha o caráter autónomo de Cabinda.

Durante alguns anos, a situação parece estacionária: às lutas entre o M.P.L.A. e a U.P.A. vêm somar-se lutas internas desses partidos. Surge uma imensidade de pequenas organizações, muitas vezes quase teóricas. O exército português, vigilante, mantém a paz na província.

A 20 de julho de 1963, a Comissão Pan-Africana de Conciliação, estabelecida em Dar es Salaam pela Comissão de Coordenação da Libertação dos Territórios Africanos Não-Independentes elabora sete recomendações que irão ser apresentadas na conferência dos ministros dos Negócios Estrangeiros Africanos, a reunir em breve em Dakar:

“1º – Todo o auxílio aos combatentes pela independência de Angola será canalizado através do Congo (Léopoldville) com a colaboração da Comissão de Coordenação;

2º – A Frente Nacional de Libertação de Angola (F.N.L.A.) será considerada a única combatente na luta pela independência de Angola;

3º – Não será constituído qualquer outro movimento de Libertação, (…) pois a existência de pequenas frentes angolanas só pode ser prejudicial para a rápida libertação de Angola;

4º – Todos os indivíduos que tenham recebido treino militar para a Libertação de Angola devem reunir-se à F.N.L.A.;

5º – À F.N.L.A. reserva-se o direito de recusar a admissão, como membros, de pessoas que considere inconvenientes para a luta pela independência de Angola;

6º – Os governos africanos só deverão auxiliar a F.N.L.A. e não outras organizações que aleguem combater pela independência de Angola.

A força combativa da F.N.L.A., de Holden Roberto, é, de longe, maior que a de qualquer força e a mais eficiente;

7º – A Comissão solicitará da conferência de Dakar o reconhecimento diplomático ‘de jure’ do G.R.A.E., de Holden Roberto (…) A F.N.L.A. deve continuar sob a sua chefia, até agora tão eficiente”.

Agostinho Neto iv, que, em 1962, se tornara presidente do M.P.L.A. protesta. Entretanto, as cisões atingem o seu próprio movimento. Mário Pinto de Andrade critica a união do M.P.L.A. ao M.D.I.A. (Movimento para a Defesa dos Interesses de Angola), M.N.A. (Movimento Nacional Angolano) e União Nacional dos Trabalhadores de Angola (U.N.T.A.) com a formação da Frente Democrática de Libertação de Angola, F.D.L.A.. Viriato da Cruz acusa Agostinho Neto de traição e forma novo movimento, apoiado por dissidentes do M.P.L.A., depois cede à decisão de Dar es Salaam, submete-se à F.N.L.A., voltando a cindir pouco depois e partindo para o estrangeiro.

A única luta em Angola parece então ser a dos movimentos, que, degladiando-se entre si, facilitam a ação do exército português.

Em 1964 é na U.P.A. que se verificam as cisões: Jonas Malheiro Savimbi, considerado de tendência comunista pró-chinesa, cria um novo movimento, a União para a independência Total de Angola, U.N.I.T.A.

Em 1966, no entanto, surgem novos focos de guerrilha. É o início da guerra no Leste, atribuindo-se à U.N.I.T.A. a luta no Moxico. A guerra estende-se ao Cuando-Cubango, levada pelas três organizações, mas, sobretudo, pelo M.P.L.A. e pela U.N.I.T.A. A 24 de dezembro de 1966, é o ataque a Teixeira de Sousa, de que resulta a morte de Germano Almeida Cabral, comerciante, e sua mulher, Pureza de Jesus Monteiro, Sónia Maria de Carvalho, de 3 anos, e José Maria Soares da Silva, chefe da P.I.D.E. Alguns dias depois, Holden Roberto e Jonas Savimbi reclamavam, cada um por seu lado, a autoria do assalto.

A abertura de novas frentes não afasta, como se vê, as lutas partidárias: A U.P.A., apoiada pelo governo do Congo-Kinshasa, mantém prisioneiros em Kinkusu vários membros do M.P.L.A. e assassina muitos outros. Falando numa conferência que reúne vários países africanos e realizada em Brazzaville, o dr. Agostinho Neto agradece o auxílio do governo do Congo-Brazza, onde o M.P.L.A. tem o seu centro desde 1965, manifestando o seu desagrado por outros países continuarem a apoiar o G.R.A.E., de Holden Roberto. As queixas do M.P.L.A forçam as autoridades do Congo-Kinshasa a uma investigação às atividades dos exilados angolanos, ameaçando-os de lhes retirar o apoio no caso de continuarem a degladiar-se. A 17 de janeiro de 67, a rádio Brazzaville, que apoia Agostinho Neto, acusa Holden Roberto de servir os interesses americanos, contando mesmo, entre os chefes da organização militar da U.P.A., E.L.N.A. (Exército Nacional de Libertação de Angola), um norte-americano que combateu contra o Exército de Libertação do Vietname.

Em 1968, a Comissão de Libertação da Organização de Unidade Africana (O.U.A.) pede aos países africanos que retirem o reconhecimento ao G.R.A.E., a fim de o recolocar em pé de igualdade com o M.P.L.A. Alguns meses depois, um despacho de J. Kande, ministro da Informação do Congo-Kinshasa, proíbe “A Voz da nação Angola”, órgão oficial do G.R.A.E. As lutas partidárias continuam.

Em 1968, mantêm-se focos de guerrilha, predominantemente do M.P.L.A. e do M.L.E.C., no enclave de Cabinda; no norte, predominantemente do M.P.L.A. e da U.P.A.; e, no leste, predominantemente do M.P.L.A. e da U.N.I.T.A., embora os comunicados oficiais mais recentes falem de uma frente leste da U.P.A. – F.N.L.A. Os grupos de guerrilheiros atacam sobretudo a linha férrea do caminho-de-ferro de Benguela, e as próprias composições. No entanto, o exército português domina todo o território.

I – Mário Pinto de Andrade – Nascido em Angola, Golungo Alto, em agosto de 1923. Estudou Filosofia na Universidade de Lisboa e Ciências Sociais na Sorbonne. Colaborou na revista “Présence Africaine”, de Paris, e foi um dos colaboradores da Conferência de Escritores Negros, reunida em Roma em 1958. Em 1959 estabeleceu-se em Conacry, na Guiné, pertencendo aos primeiros núcleos do M.P.L.A.

II – Viriato Cruz – Fundou o primeiro partido rebelde angolano P.L.U.A. (Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola), em 1953. Quando da formação do M.P.L.A. foi eleito secretário-geral, mas cindiu em 1963, acusando de traição Agostinho Neto.

III – Holden Roberto – Nasceu em S. Salvador em 1923. Recebeu educação secundária no Congo e trabalhou no Departamento de Finanças da Administração belga em Leopoldville, Stanleyville e Bukavu. Em 1954 formou, com outros seis elementos, a União dos Povos de Angola.

IV – Agostinho Neto – Nasceu em setembro de 1922 em Ícolo e Bengo, em Angola, e tirou o curso secundário em Luanda. De 1944 a 1947 trabalhou nos serviços de saúde de Angola. Em 1947 veio para Portugal, formando-se em Medicina pela Universidade de Coimbra. Em 1962 assumiu a presidência do M.P.L.A.

Sobre o/a autor(a)

Diana Andringa
Jornalista, documentarista e investigadora do CES.

spot_imgspot_imgspot_imgspot_img
spot_imgspot_imgspot_imgspot_img

Destaque

Artigos relacionados