A forma como foi apresentada esta revisão constitucional pelo ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República sugere que a presidência abre mão de alguns poderes e o parlamento ganha maior protagonismo.
São exemplos a atribuição à Assembleia Nacional do poder de fiscalizar o governo, com a criação de audições parlamentares e comissões parlamentares que “obrigarão” o chefe do Executivo ou um ministro que o represente, a responder na Assembleia Nacional às preocupações dos deputados. Mas esta fiscalização não pode resultar em demissão, não tem efeitos práticos para além de expor o tema ou a conduta do visado. Dentro do nosso sistema político a Assembleia Nacional não pode demitir o Executivo, nem o Presidente pode dissolver a Assembleia Nacional (como acontece noutros países), sendo que a única fórmula para a destituição do Parlamento é a autodemissão do Presidente que obriga a novas eleições e, por consequência, a uma nova composição da AN.
Convém perceber a forma como a nossa Constituição caracteriza o sistema político, que é presidencial, mas parlamentar na origem e presidencial na sua manifestação. E que resulta com maioria absoluta. Com maiorias simples, resultantes de coligação de várias formações políticas, a questão é completamente diferente. Para a socióloga Tânia de Carvalho, “o poder continua concentrado nas mãos dos políticos dos dois órgãos de soberania, a redistribuição de poderes tem de ter em consideração os “checks and balances” (freios e contrapesos) com o próprio soberano (os cidadãos). No caso concreto houve uma deslocação de substância e formalismos, mas o Poder vai continuar concentrado na lógica de quem for maioritário”.
Esta proposta também fecha completamente a possibilidade de um terceiro mandato, quando propõe que fique escrito na Constituição que um Presidente que se autodemita no segundo mandato fica impedido de se candidatar às eleições seguintes. A este propósito, diga-se que este foi um “esquema” utilizado noutros países africanos com sistemas políticos similares ao nosso, em que no fim do 2.º mandato o Presidente, alegando incompatibilidades com o Parlamento, se autodemite, provoca novas eleições, ganha e cumpre mais um mandato completo. Também a fixação de uma data para as eleições, na terceira semana de Agosto do ano do fim do mandato, retira uma competência que era do Presidente da República, que tinha a faculdade de marcar a data mais conveniente.
Para o analista Ismael Mateus, “há uma mensagem de uma vontade política clara para a oposição e para o interior do seu partido. Para a oposição, vamos observar a lei dos dois mandatos e não há possibilidade de utilizar outros estratagemas para prolongar o poder. Para o interior do MPLA é, acabem lá com isso, não haver terceiros mandatos, nem artimanhas para chegar aí. Como sabemos aparecem por aí algumas pessoas com “ideias malucas”, o Presidente ainda não acabou o primeiro e já falam no terceiro. É um óptimo sinal para aquilo que era um dos objectivos políticos do Presidente, que passa pela normalização da vida político-institucional do País”.
Nesta proposta de revisão são criadas outras limitações à actuação do Presidente da República. Insere-se a figura de “gestão corrente”, que impõe que depois do início da campanha eleitoral, o governo está impedido de tomar decisões que possam influenciar a acção do futuro Executivo, podendo apenas tomar decisões que tenham a ver com a gestão corrente. Uma situação que o próprio João Lourenço passou quando chegou à liderança do Governo, e que quer salvaguardar em futuras mudanças.