Universidade Católica de Angola: O País vive retrocesso na “liberdade de imprensa” desde 2017

Um estudo da Universidade Católica de Angola revela que a primeira Lei de Imprensa do país era mais favorável à liberdade da comunicação social do que as normas seguintes. Uma conclusão preocupante em ano eleitoral?

Não são só os jornalistas e os ativistas angolanos que o dizem. Um estudo da Universidade Católica de Angola – realizado entre agosto e dezembro de 2021 – revela que houve, de facto, recuos no que diz respeito à liberdade de imprensa no país, sobretudo a partir de 2017.

Este estudo também conclui que a primeira lei de imprensa angolana era mais favorável à liberdade da comunicação social e dos jornalistas do que as normas que vieram a seguir.

Em entrevista à DW África, o diretor do Centro de Direitos Humanos e Cidadania da Faculdade de Direito da Universidade Católica, Wilson de Almeida Adão, pede mais atenção da sociedade para a liberdade de imprensa.

DW África: A partir de 2017, houve de facto uma retração da liberdade de imprensa em Angola. Este estudo da Universidade Católica veio tirar qualquer dúvida que pudesse existir sobre esta matéria?

Wilson de Almeida Adão (WAA): Nós temos de perceber a comunicação social é muito afetada pela história do país e o contexto de guerra. De 1975 a 2002, tivémos leis altamente restritivas no que concerne à comunicação e que podem, eventualmente, ser justificadas com o contexto de guerra civil e a necessidade de, alegamente, controlar-se a informação. De 2002 a 2017, começámos a ver um aumento gradual de direitos e garantias para a comunicação social e para a imprensa. Mas, a partir da legislação de 2017, verificamos uma inversão: pequenos recuos na consagração, cada vez maior, dos direitos em relação à comunicação social. Vemos que muitas das normas, hoje existentes, poderiam ser melhoradas e responderem melhor àquilo que são os padrões internacionais de liberdade de imprensa.

DW África: Em ano de eleições gerais em Angola, estas conclusões são preocupantes para o setor?

WAA: Enquanto académicos, o nosso estudo não teve como pressuposto as eleições. O fundamento deste estudo é que o Governo recentemente remeteu à Assembleia Nacional um novo pacote legislativo eleitoral da comunicação social. E o Centro de Direitos Humanos e Cidadania, no âmbito do princípio da cidadania responsável e construtiva, e – quando se trata de matérias que têm impacto fundamental na proteção dos direitos humanos -, fazemos um trabalho de prevenção e de advocacia, para que a legislação a ser aprovada seja conforme os padrões internacionais.

DW África: Tendo em conta esses empecilhos que houve em 2017 pode esperar-se uma retração da liberdade de imprensa ainda maior este ano? Como é que se pode prevenir isso?

WAA: Creio que deve haver por parte da sociedade uma maior atenção em relação à liberdade de imprensa. É claro que em períodos eleitorais existe o risco de a informação ser condicionada. É um risco muito grande, sobretudo em África. Mas talvez, para nós, seja prematuro dizer o que irá acontecer. O que devemos fazer enquanto sociedade é criar as condições, fazendo advocacia, recorrendo às instâncias competentes, prevenindo que isso aconteça. O principal que devemos fazer é criar uma cultura de cidadania em cada pessoa, individual ou coletiva, para que cada um de nós possa ser um ator fundamental na proteção dos direitos fundamentais em Angola, dos direitos humanos e em especial da liberdade de imprensa.

DW África: Este estudo também concluiu que a primeira lei de imprensa angolana, de 1992, era mais favorável à liberdade da comunicação social e dos jornalistas do que as normas que vieram depois em 2006 e 2017. Como é que foi possível esse retrocesso?

WAA: Talvez não sejamos as pessoas indicadas para responder a essa questão porque quem aprova as leis é a Assembleia Nacional. Também temos de relevar que o primeiro papel de defesa dos direitos da imprensa é dos próprios jornalistas e dos órgãos de comunicação social. Creio que não terá havido a necessária advocacia ou um verdadeiro grupo de pressão para que esses direitos que, eventualmente foram diminuidos da lei de 1992 para as leis de 2017, fossem aprovadas sem salvaguardar determinados standards.

 

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