Universidade de Coimbra. Ex-presidente do Supremo brasileiro critica pirotecnia da justiça brasileira nos últimos anos

Num evento organizado pela Universidade de Coimbra, Dias Toffoli afirmou que as alterações no Supremo brasileiro fizeram o tribunal aumentar a sua produtividade em tempo de pandemia.

José Dias Toffoli, que foi presidente do Supremo Tribunal Federal do Brasil até setembro, revelou esta sexta-feira que a instância máxima daquele país aumentou a sua produtividade no período de pandemia e criticou de forma dura a pirotecnia que considera ter existido em torno dos grandes processos daquele país ao longo dos últimos anos.

Falando abertamente das fugas de informação e das conferências de imprensa realizadas no âmbito de megaprocessos, nas quais se anunciaram suspeitas relativas a políticos e empresários, Dias Toffoli afirmou que estas ações apenas serviram para humilhar e criar descrédito generalizado na política e nos políticos.

Na conferência “Supremo Tribunal Federal e o Judiciário no Brasil durante a pandemia de Covid-19”, promovida pela Universidade de Coimbra, o magistrado abordou ainda os desafios que a polarização política traz à Justiça. “Justiça justa, só Deus pode fazer. A justiça que nós temos nessa terra em que vivemos é a justiça que é possível, é a justiça humana, e nós humanos temos as nossas limitações”, começou por referir Dias Toffoli, acrescentando quais os elementos que conduzem, “no caso brasileiro, à guarda da Constituição e à sua defesa”.

Isso está no artigo terceiro, logo no início da nossa constituição: constituem objetivos fundamentos da República Federativa do Brasil, primeiro construir uma sociedade justa e solidária, segundo garantir o desenvolvimento nacional, terceiro erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e quarto promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo ou idade e quaisquer outras formas de discriminação. Esse é o roteiro de fazer a justiça mais perfeita possível no Brasil”, disse, insistindo que “nunca será a justiça perfeita, porque essa só a deus cabe”.

Apesar de desafios atuais como o ódio e a intolerância “que já não existiam desde a II Guerra Mundial”, o antigo presidente do Supremo daquele país aproveitou ainda esta edição das Conversas da Casa da Lusofonia, cuja abertura e encerramento estiveram a cargo do vice-reitor para as Relações Externas, João Nuno Calvão da Silva, para lembrar: “Na última década, nós estamos assistindo, infelizmente, à reintrodução no campo político e social dessas teorias e infelizmente com o uso das novas tecnologias, com o uso muitas vezes até de robôs, com o uso muitas vezes, inclusive, de anonimato, usando plataformas distantes da sua realidade, da sua realidade nacional para poder introduzir o caos”.

O balanço positivo do Supremo e o periodo de nojo para magistrados

Segundo o magistrado, o tribunal que presidiu até há um mês conseguiu, com pequenas alterações, aumentar a sua produtividade no período de pandemia. “Desde 2007 que foi criado um plenário virtual […] e no final de março com a decretação da pandemia pela OMS alterámos o nosso regimento interno e passámos a permitir que todo o tipo de processo pudesse passar a ser julgado no plenário virtual e isso ampliou muito a colegialidade, porque muitas questões que estavam em decisões individuais, passaram a plenário virtual. Em 2019 se julgou colegiadamente quase 18 mil processos, é a suprema corte que mais julga no mundo, e individualmente outros quase 100 mil processos. Com esta alteração, que garante todo o contraditório, o tribunal acabou aumentado a sua produtividade”.

Dias Toffoli, que participou no evento por videoconferência, a partir de Brasília, falou, por fim, sobre as passagens da justiça para a política, algo que não deveria acontecer. Recorde-se que, apesar de nunca ter sido feita uma referência direta ao nome do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro foi o juiz que liderou a operação Lava Jato, tendo depois aceitado o convite de Jair Bolsonaro para ser ministro da Justiça, de onde saiu em discordância com o atual presidente, não se descartando para já uma candidatura do antigo juiz às próximas presidenciais.

Eu determinei várias ações de busca e apreensão a autoridades com foro com prerrogativa de função, já determinei várias quebras de sigilo. E nos casos em que atuo como juiz determino que todos agentes da Polícia Federal e promotores do Ministério Público assinem um termo de confidencialidade e que não deem entrevistas. Um coisa é você apurar, investigar e condenar, eu já condenei muita gente, já fui relator de várias condenações, no meu gabinete não ficam coisas paradas. Agora sem humilhação, sem execração”, disse, adiantando que “os exageros e abusos ocorridos” resultavam de práticas contrárias àquelas que defende.

“Fazia-se o início de uma investigação e depois dava-se uma entrevista coletiva a execrar. E outra coisa: várias dessas pessoas saíram e estão saindo para a política. Ou seja, estão deixando cargos na polícia, na magistratura, no Ministério Público para disputarem cargos na política. Por isso defendi recente que se crie uma lei de inabilitação para quem deixa a polícia e o Ministério Publico, porque você não pode crescer em cima da execração do outro”.

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