Angola: Académicos apelam a melhorias das “condições de trabalho” e fim da submisão política

Condições adequadas de trabalho para os docentes universitários são elementos fundamentais para o pleno funcionamento e o consequente sucesso da academia, contribuindo fortemente para que as instituições de ensino universitário vocacionadas não apenas para ensinar como também para realizar pesquisas, desempenhem o seu verdadeiro papel. Universidades não produzem porque estão sob o domínio do poder político.

Esta leitura é de analistas e académicos entrevistados pela VOA.

Para além das condições de trabalho, dizem os académicos, a prévia preparação do professor é fundamental para o exercício da actividade docente em instituições do ensino superior.

Tal é a preocupação que o pesquisador e especialista em Administração Educacional, Chocolate Brás, defende que a realização de investigação científica devia ser uma condição sine qua non para o desempenho da actividade docente no ensino superior em Angola.

“Não pode haver ensino sem investigação, ou seja, é expectável que se ensine o que se investiga. Se nós não investigarmos não poderemos ter um ensino de qualidade”, refere o autor do livro “Educação e Ensino em Angola em Tempo de Covid-19: Análise das Acções e Medidas de Política”.

O Executivo angolano vai construir o primeiro Parque de Ciência e Tecnologia do país para a promoção e incentivo da investigação científica, orçado em cerca de 45 milhões de dólares norte-americanos.

O parque a ser construído na capital do país terá laboratórios de investigação, base de dados para gestão de informações intelectuais e científicas.

A infraestrutura, segundo informações veiculadas pela imprensa angolana, terá 18 escolas para o ensino de base, além de magistérios para formação de orientadores vocacionais e de metodologia de ensino de ciências e tecnologia.

A construção da estrutura está inserida no Projecto de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia que visa, igualmente, o financiamento de bolsas de estudo de pós-graduação, de projectos de investigação, realização de actividades de promoção e reforço da participação das mulheres em actividades de ciência, tecnologia e inovação.

O mestre em Administração Educacional pelo Instituo Superior de Ciências da Educação de Luanda e investigador de políticas públicas de educação Chocolate Brás lamenta a ausência de programas para investigação científica, fiscalização e para produção do saber científico.

Universidades não produzem porque estão sob o domínio do poder político

Uma das medidas de políticas para mudança do actual quadro do ensino superior em Angola seria a garantia do financiamento das universidades para além da adopção de um modelo de investigação que se aproxime dos paradigmas internacionais.

“Isto tem que ver sobretudo como nós lidamos com a investigação científica e a extensão universitária. Como lidamos com elementos de ordem tecnológica. Imagina nós temos instituições que não têm página web, não têm revista online, não têm uma revista indexada que não tem canais nas redes sociais por exemplo. Como é que vai ter estudantes internacionais? Como é que vai ter uma avaliação do seu programa feita por outras instituições e pelos pares?”, questiona Brás.

Aquele pesquisador entende que é preciso que se repense a acção da universidade porquanto refere que as universidades em Angola estão submetidas ao domínio do poder político.

“Há um conjunto de coisas que devem ser feitas e, é preciso chamar atenção a acção da própria universidade. Nós temos uma universidade que está muito submetida ao domínio do poder político e que dificilmente consegue produzir saberes e alternativas para sua situação”, refere Chocolate Bras.

Para o psicanalista e teólogo Ribeiro Tenguna, a ausência de produção científica dos professores e das instituições de ensino superior contribuem negativamente para a qualidade do serviço que a academia presta ao país.

“Muitos professores universitários não têm sequer um livro publicado, mas é chamado a dar aulas numa universidade. Um professor não poderia dar aulas no ensino superior sem um livro publicado. É por isso que as nossas universidades não constam nas estatísticas das melhores universidades de África, por falta da produção de conhecimento”, diz.

A falta de produlção científica

A produção científica é, na visão de Nuno Dala, um importante indicador de qualidade para o ensino superior em Angola.

Outro elemento indicativo é a ausência de interesse da comunidade internacional em estudar ou realizar pesquisas em Angola.

“Nós, ao contrário do que acontece na África do Sul, Namíbia, Gana, Egipto Argélia, Tanzânia, não temos europeus, americanos, asiáticos e australianos a frequentaram as universidades angolanas. O que é que isto significa?”, pergunta para responder: “Significa que o nosso subsistema de ensino superior não tem qualidade que efectivamente motive as pessoas das origens que citei a fazer cá a formação”.

Medidas em termos de política para o ensino superior devem ser tomadas, segundo o presidente da Associação Científica de Angola que devem passar pela realização de um diagnóstico geral das universidades e institutos superiores com vista a averiguar as condições para o exercício das suas actividades de ensino e de pesquisa.

Este diagnóstico deve resultar na obrigatoriedade da realização de investigação científica para as universidades.

“A primeira media deve residir na realização de um diagnóstico de todo subsistema do ensino superior em Angola. Este diagnóstico deve ser responder perguntas como as seguintes: Quais das instituições do ensino superior a actuar em Angola têm a investigação científica como um elemento fundamental de facto e que desta forma contribuem para o desenvolvimento do país. Quais as que estão no bom caminho neste sentido e quais as que não estão”, disse o Pesquisador social para quem “é preciso que em termos legais a investigação científica seja considerada como uma obrigação das instituições do ensino superior. Não havendo condições para este efeito que sejam encerradas as portas”, sugere Dala.

Estas medidas, ainda segundo Nuno Dala, são necessárias para que Angola saia do quadro de uniformidade em termos de realização de pesquisa científica nas academias.

O financiamento

O diagnóstico e a obrigatoriedade vai provocar o surgimento de laboratórios nas universidades para produção de conhecimentos e de inovação.

Para aquele pesquisador “faltar laboratórios em Angola não é excepção, mas sim uma regra, por isso temos um ensino que tem formado muita gente que tem podido reproduzir com algum sucesso as teorias e teses, mas têm tido grandes problemas em transformar toda teoria em prática que leva ao desenvolvimento”.

Sobre o financiamento do Estado para a investigação científica Nuno Dala explica que mais do que insatisfatório, reflecte o descaso de quem governa em relação à investigação científica, pois que “nenhum país alcançou graus de organização económica e social sem que tenha investido na ciência. Mesmo países de nível intermédio fazem a mesma coisa. Portanto se Angola quiser ser um país respeitável deverá fazer um investimento considerável na ciência”, assegura.

Por sua vez Chocolate Brás apela o Estado a repensar o financiamento para investigação científica e garanta as condições para criação de um fundo para pesquisa.

“Não podemos continuar a ter os nossos problemas a serem discutidos por outras pessoas quando existem gente com disponibilidade e que precisam apenas de motivação. Outra questão é que nas instituições de ensino superior não existem linhas de pesquisa”, diz o pesquisador que afirmou, “por outro lado, não haver linhas de orientação e temática para além de regentes para pesquisa científica nas instituições com pós-graduações”.

Com este cenário de fundo, o Sindicato dos Professores do Ensino Superior voltou a paralisar as aulas em consequência do não cumprimento do caderno reivindicativo onde entre outros aspectos solicitam o acerto de categoria, a melhoria dos salários e a melhoria das condições de trabalho.

O assunto já está sob a mesa da Ministra do Ensino Superior, Ciência Tecnologia e Inovação há meses, mas a solução tarda chegar.

 

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