Internamento de Eduardo dos Santos em Espanha, pago pelos angolanos, lançou o debate sobre as condições dos hospitais em Angola. Analista explica que a elite procura serviços na Europa porque não investe nos seus países.
Em entrevista a DW África, o fisioterapeuta angolano Júbilo António diz que os centros e postos médicos nas várias comunidades do país não possuem condições para assistência aos utentes. “Não têm luvas, não têm medicamentos. Têm dificuldades com macas e camas para internamentos”, revela.
O fisioterapeuta, diz, por outro lado, que os hospitais primários, secundários e terciários se debatem com problemas de recursos humanos. “Temos determinadas áreas de especialização onde não há profissionais para acudir a uma determinada doença”, acrescenta.
Se na capital angolana e nos centros urbanos do resto do país se fala em falta de condições, em algumas localidades fora de Luanda nem existem postos médicos. É o caso da Embala Canhanho, uma das localidades do munícipio da Nhareia, província do Bié.
Eugénio Maurício Cinco, regedor local, afirma que os populares percorrem quilómetros em busca da assistência. “O nosso posto está a nove quilómetros”, explica.
A saúde não é para todos?
O debate sobre o sistema nacional de saúde surge na sequência do internamento do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos, em Barcelona, Espanha. Sem revelar o montante, o Governo em Luanda afirmou, na semana passada, que irá custear as despesas. A revelação gerou críticas em Angola, fundamentalmente nas redes sociais.
Para o jornalista Ilídio Manuel, as despesas deveriam ser comparticipadas pela família de Eduardo dos Santos. “Neste caso a família não é pobre que não dispõe de recursos”, comenta. “De certo modo, ele também é responsável pela falta de condições de saúde no nosso país, porque durante os 38 anos que esteve no poder praticamente não fez investimentos”, critica o jornalista.
A falta de infraestruturas de saúde leva a elite angolana a tratar-se no estrangeiro, um problema que é geral em África, acrescenta Ilídio Manuel.
“A elite política angolana não foge à regra das elites africanas, que não fazem investimentos nas infraestruturas da saúde nos seus respetivos países. Quando ficam doentes, não têm outra saída se não procurar o ocidente a fim de se curarem. Tanto mais que com uma mínima dor de cabeça vão para Europa”, lamenta.
E como está o setor da saúde depois da pandemia da Covid-19? O fisioterapeuta Júbilo António responde: “Com a pandemia fez-se algum investimento e esqueceu-se dos outros serviços. Isso fez com que se agravassem as outras doenças e os hospitais perderam a sua capacidade de intervir, porque não houve um investimento para acudir outras doenças”.
Falta de morgues
Afonso Kileba, secretário-geral do Sindicato dos Enfermeiros de Luanda, explica que, por vezes, quando os pacientes morrem nos hospitais, são transladados para outras unidades por falta de morgues. Kileba revela ainda que as mães chegam a partilhar a mesma cama com o nado-morto. “Criando um outro problema à própria senhora ao ver a criança que carregou duzentos e oitenta dias – nove meses – para depois o ver morto e na mesma cama com ela”, frisa.
O Governo tem investido recentemente na construção de infraestruturas hospitalares. Este ano, por exemplo, foram inaugurados hospitais em Luanda e Cabinda. Este fim de semana, o Presidente João Lourenço anunciou na província do Bengo a construção de vários hospitais gerais em todas as províncias.
Para 2022, o Estado prevê alocar 1,7% do Orçamento de Estado à saúde. “Seria tão bom que se aumentasse essa percentagem. Eu sou defensor de 25% para o setor da saúde apesar de algumas normas internacionais limitarem a 15% e outros a 20%, mas em Angola [é preciso mais] devido às nossas necessidades e desestruturação do setor da saúde”, lamenta Júbilo António.