Angola: “Meio angolanos” – A última criação do MPLA – Graça Campos

A nova categoria de cidadãos, uma “homenagem” a ADC, prova que o líder da UNITA está a ser uma incômoda pedra no sapato dos “camaradas”

Em 1975, quando “desembarcou” nas cidades, que muitos dos seus membros desconheciam por completo, o MPLA trouxe um discurso inovador. Em oposição aos seus dois inimigos, UNITA e FNLA, que eram movimentos de matriz tribalista e racista, o regionalismo e por aí adiante. Marido de uma branca portuguesa e pai de filhos mestiços, Agostinho Neto liderou a luta contra o que então eram consideradas taras do colonialismo. Em várias oportunidades, Neto citou o seu próprio caso pessoal para justificar a sua rejeição ao racismo e outros comportamentos indecentes.

Quem já cá andava naqueles tempos, há de lembrar-se que todos os comícios do MPLA terminavam, invariavelmente, com um exaltado ABAIXO O IMPERIALISMO! E terminavam com ruidosos e inflamados ABAIXO O RACISMO, ABAIXO O TRIBALISMO e ABAIXO O REGIONALISMO!

Com José Eduardo, que desposou em primeiras núpcias a caucasiana Tatiana Kukanova, o MPLA manteve o discurso antirracista, anti tribalista e antirregionalista. Com actos concretos, José Eduardo dos Santos mostrou que também era avesso à xenofobia, irmã gémea do racismo. Ele teve no Governo, nas Forças Armadas e no seu próprio gabinete descendentes de estrangeiros, nomeadamente são-tomenses e cabo-verdianos. Assunção dos Anjos, descendente de são-tomenses, foi director do seu gabinete; Aldemiro da Conceição, descendente de são-tomense, foi quase tudo na Presidência de JES (assessor de imprensa, chefe do Gabinete de Quadros, etc., etc.); Licínio Tavares, descendente de são-tomenses, ficou à testa do Ministério dos Transportes durante “séculos”; João Baptista de Matos, descendente de cabo-verdianos, foi o mais notável cabo de guerra de Angola e foi sob o seu comando que as FAA partiram a espinha dorsal da UNITA, quando lhe tomaram as praças principais, Bailundo e Andulo, nomeadamente; Francisco Furtado, descendente de cabo-verdianos, foi CEMG das FAA; António Furtado, descendente de cabo-verdianos, foi governador do Banco Nacional de Angola; Ângelo da Veiga, descendente de cabo-verdianos, foi ministro do Interior.

A falta de soluções para as carentes carências das populações tem vindo, a introduzir, lentamente, no léxico político angolano conceitos e expressões prenunciadores do desabamento de todo o edifício antirracista, anti tribalista, antirregionalista e anti xenófobo que o MPLA se esforçou, e muito, por construir ao longo dos anos.

O discurso pró-racista e pró-xenófobo foi inicialmente introduzido nas redes sociais por presumíveis militantes do MPLA e tinha um alvo concreto: o actual presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior.

Mas aquilo que parecia ser apenas linguagem de roqueiros desesperados, de pessoas fanatizadas, foi ganhando “status” e na sexta-feira passada foi oficialmente absorvida pela direção do MPLA.

Ao mencionar, no seu comunicado, “líderes políticos sem escrúpulos, que afinal são cidadãos estrangeiros”, o MPLA subscreveu publicamente o discurso xenófobo.

Depois de, basicamente, haver fracassado, de modo clamoroso, em todos compromissos que assumiu com os angolanos, vemos, agora, rendido ao discurso soez e rasteiro da xenofobia.

Encorajado pelo comunicado do BP do MPLA daquela mesma sexta-feira, uma estreante do programa Política no Feminino, da Televisão Pública de Angola, permitiu-se criar uma nova categoria de angolanos: meio angolanos. E ilustrou o conceito com o líder da UNITA, que, na opinião dessa iluminada, não é 100% angolano.

De acordo com a criadora do novo conceito, Adalberto da Costa Júnior não é 100% angolano porque também foi detentor de cidadania lusa. Sintomaticamente, a “inventora” do conceito de meio angolano é ela própria também uma meia angolana, pois, embora tenha nascido em Angola, viveu e cresceu em Portugal, de onde só fugiu por causa de um cabeludo processo judicial que tem à perna.

Na sexta-feira, tivemos na TPA um exemplo concreto do roto que aponta o dedo ao esfarrapado. Uma cidadã de tez branca, descendente de portugueses, a negar a Adalberto Costa Jr. a condição de ser integralmente angolano!

A adesão do MPLA a esse discurso xenófobo significa que ele procura, ingloriamente, que todos os angolanos cerrem fileiras contra o líder da UNITA. O MPLA procura que todos os angolanos transfiram para Adalberto da Costa Jr. o mesmo ódio, a mesma raiva, o mesmo desprezo que tinham de e por Jonas Savimbi.

Esse é um exercício inglório: Savimbi era odiado porque era o líder de uma guerra que não poupava ninguém; Savimbi foi odiado porque semeou a dor e o luto em muitas famílias angolanas; Jonas Savimbi foi execrado porque praticou ou mandou prática actos demoníacos. É de todo impossível transferir para Adalberto Costa Jr. as “virtudes” que fizeram de Savimbi um verdadeiro monstro.

Os jovens angolanos que hoje estão na faixa etária dos 20 e 30 anos – e que representam cerca de metade de eleitores – não identificam Adalberto Costa Jr. com a guerra; nunca o viram fardado e com arma a tiracolo.

A juventude hoje não vê em AC Jr. o “líder sem escrúpulos”, que “executa uma agenda política contrária aos interesses Angola e dos angolanos”.

Os jovens hoje vêm Adalberto da Costa Jr. alguém que tem um discurso contrário às tergiversações e lugares comuns do MPLA. Um discurso oco e sem consequências.

Nesta altura do campeonato um discurso vindo do MPLA que “exorta aos seus militantes, simpatizantes e amigos do Partido, aos angolanos de Cabinda ao Cunene, a defenderem a unidade e reconciliação nacional e a se manterem confiantes nas medidas que o Executivo angolano liderado pelo Camarada Presidente João Lourenço vem tomando em prol do desenvolvimento político, económico e social do país” comove quem?

Quem neste momento toma a peito a ladainha do MPLA de que “Queremos uma Angola onde impere um verdadeiro Estado Democrático de Direito, onde prevaleça o primado da lei, onde se respeitem as instituições do Estado, onde se respeitem os símbolos nacionais e os mais nobres valores da cultura e da história do país”?

Como diz a Lei de Murfy, com o MPLA “Nada está tão mau que não possa piorar”.

A assunção do discurso xenófobo é a prova de que a casa desabou.

Como sempre reclamou para si a condição de “força dirigente da Nação”, o MPLA não pode levar a mal que os angolanos lhe sigam o exemplo e queiram identificar, entre os governantes, quem, afinal, “são cidadãos estrangeiros e por isso executam uma agenda política contrária aos interesses de Angola e dos angolanos”.

É lícito incluir entre os “estrangeiros sem escrúpulos”, por terem dupla nacionalidade, os ministros da Energia e Águas e do Comércio e Indústria? À luz dos novos conceitos, como devemos olhar para João Baptista Borges e Victor Fernandes?

É preciso clarificar discurso. O MPLA, que, empurrado pelo desespero, agora subscreve discursos que antes abominava, que abra o jogo.

O “meio angolano” pode ou não ser governante neste país? Quem não é 100% angolano, fugida da justiça, pode ir à televisão pública dizer quem é mais ou menos angolano?

É preciso clarificar discurso. O MPLA, que, empurrado pelo desespero, subescreve, agora, discursos que antes abominava, que abra o jogo.

O “meio angolano” pode ou não ser governante neste país? Quem não é 100% angolano, fugida da justiça, pode ir à televisão pública dizer quem é mais ou menos angolano?

E, por fim, porque razão o MPLA se tornou tão mau a fazer um comunicado e a fazer leituras sobre a situação do país?

Em definitivo, o MPLA dos ladrões que afundaram este país, foi substituído por um MPLA medíocre do ponto de vista intelectual.

Qualquer tolice e disparate vai parar aos seus comunicados e qualquer arrivista e oportunista é cooptada para falar por si.

Naquele secretariado do Bureau Político está reunida a “nata” da fraqueza intelectual.

MPLA, quem te viu e quem te vê…

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