Desde que iniciou o Plano de Acção de Apoio à Empregabilidade (Pape), conduzido pelo Instituto Nacional de Formação Profissional, já foram criados cerca de 10 mil empregos dos 85.500 previstos. O programa termina em 2022 e o director do Inefop, Manuel Mbangui, não teme pelo fracasso da iniciativa, manifestando-se confiante em alcançar a meta.
Três anos depois do lançamento do Pape, acha que o programa cumpre a função para a qual foi criado?
Balancear o Pape é avaliar um pouco o contexto em que o país vive ou viveu durante os últimos três anos. O programa foi criado para mitigar o nível de desemprego que assola essencialmente a juventude. Na altura em que foi aprovado, a taxa de desemprego rondava os 28% (relatório do primeiro trimestre de 2019 do Instituto Nacional de Estatística). No entanto, tivemos de lançar mãos a todas as questões organizativas para a implementação do Pape, de tal sorte que o Decreto Presidencial 113/19 foi publicado a 16 de Abril de 2020. A partir de Maio do mesmo ano, iniciámos todo o processo de planeamento, incluindo a reestruturação dos aspectos que não faziam parte do Decreto Presidencial, mas que eram essenciais para a sua implementação.
Que elementos faltavam na concepção do programa?
No seu eixo de actuação, o Pape tem dois blocos fundamentais: o primeiro tem que ver com a formação profissional e o segundo com as questões do emprego. No modelo inicial, trabalhámos principalmente na componente formação. Entendemos que a formação é factor determinante para o sucesso dos pequenos empreendedores. Isso levou-nos a estruturar as equipas, a identificar possíveis formadores e os passos que tínhamos de seguir para a formação profissional. Fizemos o lançamento do Pape em Outubro de 2019, no Kuando-Kubango, onde começámos a ver resultados práticos na implementação do programa. De Outubro de 2019 a Fevereiro de 2020, o programa já estava numa fase de implementação avançada.
O que isso representa em termos de resultados?
Nesse intervalo (2019/2020), beneficiámos mais de 100 jovens no Kuando-Kubango e em Luanda. No entanto, face à pandemia, as formações profissionais em todo o país tiveram de paralisar. Com isso, a implementação das componentes estratégicas ficou, de alguma forma, comprometida.
Logo, são poucos os ganhos, não?
Na fase preparatória, conseguimos fechar a contratação de uma entidade que pudesse fornecer equipamentos e meios necessários. Aliás, no Pape, além de 10 mil microcréditos, que é a nossa meta, tínhamos outra componente de 42 mil ‘kits’ para apoio aos empreendedores, 1.500 estágios para jovens e também temos o desafio de emissão das carteiras profissionais bem como a reconversão de três mil actividades informais em formais. Isso exigia de nós a necessidade de encontrar uma entidade para assegurar o andamento de todo o processo.
Qual é essa entidade?
O concurso público realizado em 2020 apurou, entre várias entidades, o consórcio Soti, que integra quatro empresas nacionais. Este assegura desde a requalificação, à construção e equipamento dos centros de formação profissional, bem como o fornecimento dos 42 kits para 17 especialidades formativas que vão desde cursos de construção civil (canalização, serralharia e electricidade de baixa tensão) jardinagem, agricultura, culinária, pastelaria, decoração, reparação de eletrodomésticos, entre outros.
Já mencionou a paralisação das formações, face à pandemia. Que outras consequências práticas podem ser associdas à covid-19?
Quando se deu a flexibilização das medidas da pandemia, internamente, tivemos de fazer uma readaptação do Pape por conta das mudanças verificadas quer a nível do Executivo, quer do desemprego cuja taxa atingiu os 32% no ano passado com maior incidência nos jovens. Então, tivemos de adequar a nossa estratégia de empregabilidade no sentido de oferecer maior oportunidade aos jovens. Daí que, a 17 de Setembro de 2020, depois da paralisação de sete a oito meses, fizemos o relançamento do programa.
Que factores ‘pesam’ na entrega dos ‘kits’?
A entrega de meios está condicionada a um conjunto de procedimentos, a começar pela formação profissional. Não se pode dar qualquer benefício ao candidato sem a formalização do seu negócio. Isso passa pela constituição da sua pequena empresa, inscrição dos trabalhadores na segurança social e da Administração Geral Tributária (AGT), para a obtenção do número de identificação fiscal. Em Setembro, fizemos o relançamento no Uíge, no Alto Cawale, e sentimos que as medidas propostas estavam alinhadas com o contexto.
Qual é a abrangência do programa?
Atingimos 15 províncias e, em termos de relançamento, faltam-nos apenas Bengo, Zaire e Kwanza-Sul, às quais prevemos chegar já na primeira quinzena de Julho.
O que isso representa em termos de números?
Já temos 10 mil empregos gerados, três mil ‘’kits distribuídos, 156 jovens em processo de estágios profissionais e, nas 18 províncias, temos autonomia para que cada centro do Inefop realize acções quer de concessão de microcrédito, quer de entrega de ‘kits’. E conseguimos reformular o programa de microcrédito.
E como ficou configurado?
Assinámos um novo protocolo com o Banco Sol, passando o valor do microcrédito de 300 mil kwanzas para sete milhões de kwanzas para os nossos empreendedores. Conseguimos abater a taxa de juro, que é uma das mais baixas do mercado de 1,67% para 1,62%/mês e alargar o período de reembolso do crédito de 12 para 36 meses, com um período de carência de três a seis meses em função do valor recebido. Paralelamente a isso, assistimos à publicação do Decreto Presidencial n.º 300/20 de 23 de Novembro sobre estágios profissionais.
Quer dizer que os estágios eram ilegais?
Em Angola, durante muito tempo, não conseguíamos implementar estágios profissionais por algumas insuficiências legais. Com o novo instrutivo presidencial, já é possível realizar o programa de estágios suportados pelo Executivo. Estamos a falar de 1.500 estágios e paralelamente a isso firmámos protocolos com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e com a embaixada da Noruega para a concessão de 300 estágios circunscritos apenas ao município do Cazenga. Conseguimos com o PNUD e com a embaixada da Turquia realizar 150 estágios na Huíla.
Em termos concretos, qual é a intervenção destas entidades?
Asseguram a remuneração dos estagiários e comparticipam nos subsídios para os tutores, bem como ajudam com equipamentos e material de biossegurança. São ganhos que entendemos ser substanciais.
Como são pagos os estagiários?
A remuneração é variável. Para os estagiários do primeiro ciclo, sem qualificação elevada, ou seja, do nível um e dois, recebem um salário mínimo nacional em função da actividade em que estão inseridos. Para os técnicos médios, um salário e meio. Para os bacharéis, dois salários mínimos e para os superiores dois salários e meio. Também assinámos um protocolo com a Associação de Empresas Chinesas para assegurar a remuneração dos estagiários. E já recrutaram 14 estagiários.
Insiste nos estágios…
Enfatizamos o programa de estágios porque, muitas vezes, a dificuldade maior que os jovens têm é encontrar uma oportunidade de colocar o que sabem à disposição das empresas. A falta dessa oportunidade não permite que as empresas saibam do seu potencial. O nosso grande desafio passa por seleccionar e treinar os melhores em cada estágio. Com isso, as empresas terão a oportunidade de recrutar. O papel do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) é apenas de facilitador do contacto entre a empresa e o estagiário, deixando a responsabilidade de quem vai recrutar as empresas.
Mas há garantias de que os beneficiários dos ‘kits’ estejam mesmo a trabalhar?
O Ministério já realiza programas de distribuição dos ‘kits’ desde 2003, no âmbito do programa ‘Cidadania e Emprego’. Isso permitiu, ao longo desse tempo, acumular algum aprendizado. Hoje, para a concessão de kits, um dos aspectos a ter em conta é conhecermos o nosso beneficiário. É por isso que optamos pela formação para apurar as componentes técnicas do negócio e habilidades comportamentais. Portanto, existe uma fronteira clara entre o que é meu e o que é do negócio. No fundo, apelamos para que, antes de receber, ele tenha a responsabilidade para outras gerações. Se não restituir, compromete a continuidade do programa. Assim, desde 2010, temos o apoio do Banco Sol nesta iniciativa e não paramos com a distribuição dos microcréditos e dos ‘kits’.
Pensa ser este o caminho para reduzir o acentuado desemprego?
O que estamos a fazer não é mera iniciativa do sector. Resulta também de estudos comparados que encontram alguma resposta naquilo que são as práticas internacionais e das recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A OIT estabelece numa das suas convenções (123) que os países devem adoptar uma política de emprego que permita a inclusão dos seus cidadãos no tecido produtivo de forma digna, inclusiva e aberta a todos com maior incidência nos jovens. E com as crises, os países foram orientados a assumir medidas activas do mercado de trabalho que permitissem fazer o ajustamento da procura e da oferta do emprego.
Mas o MAPTSS não estará a substituir-se à iniciativa privada?
Procuramos trabalhar com as pessoas que querem trabalhar para que tenham condições de ser empregadas.
Está a formar-se muita gente que depois não encontra inserção laboral.
A um dado passo, a economia não consegue responder à procura tempestiva de emprego dos cidadãos. O que tem de ser feito é estimular as empresas para a recepção dessa força de trabalho, por um lado, e, por outro, são as iniciativas do empreendedorismo, em que se encaixa o auto-emprego. Se o cidadão já tem uma profissão, consegue produzir um bem, esse bem não pode ser comercializado? Se entendermos que sim, então esse cidadão deve ser potenciado para ser um factor de geração de emprego. São esses componentes de medidas activas que funcionaram em França e mesmo em Espanha. Aliás, por causa da pandemia, a própria União Europeia fez recentemente sair uma recomendação para que os países intensificassem as medidas no domínio das políticas activas do trabalho.
Num contexto de dificuldades económicas extremas, não é difícil a aplicação dessas ‘políticas activas’?
É uma situação que não resolve efectivamente o problema do desemprego em Angola, mas visa mitigar o efeito. Porque, de forma induzida, estamos a dar condições às pessoas de ter uma ocupação, empreendimento e rendimento. As pessoas ocupadas sentem-se mais valorizadas. Com isso, começam a ter uma perspectiva a seguir. Por outro lado, quando essa conjuntura de pandemia for ultrapassada, o emprego vai crescer de forma sustentável. No entanto, isso não obsta que se tomem medidas que minimizem o impacto do desemprego no país.
Voltemos à questão do espaço que está eventualmente a retirar-se ao sector privado…
O que o Estado está a fazer é estimular os privados a serem competitivos. Não está a substituí-los. Quando se estabelece a distribuição dos ‘kits’, do microcrédito ou se promovem estágios, não é o Estado que está a fazer. Este apenas cria estímulos, retirando parte dos encargos da formação para as empresas. A relação é directa entre o estagiário e a empresa. No caso do microcrédito e dos kits, a situação é muito mais clara. O Estado intervém apenas para facilitar o processo, porque, no fim do dia, quem beneficia é o cidadão que garante a sua ocupação e rendimento. Isso acontece em qualquer sociedade. As crianças nascem dentro de uma família, ganham autonomia, crescem e lançam-se para a vida. Mas, se não dermos tratamento devido na fase de crescimento, dificilmente avançarão para a vida. O mercado empresarial é a mesma coisa: é competitivo e é também agressivo, por isso, muitas vezes, sozinho nem sempre se chega lá.
Parte-se para o fomento do empreendedorismo, num mercado com baixo nível de consumo…
Boa questão! Essas iniciativas, por si só, também geram consumo e necessidades.
De que forma?
Se formos a olhar para o nosso mercado, independentemente das dificuldades que as famílias atravessam, elas têm um conjunto de necessidades que devem ser satisfeitas. Tal como alguns países vão adoptando, existem estímulos ao consumo de manutenção das famílias e de empresas que consomem matéria-prima para continuarem a sua actividade produtiva. Assim, ao prepararmos os pequenos empreendedores, estamos a fazê-lo numa perspectiva para atenderem pequenos vazios. Hoje vamos tendo, nos nossos bairros, a necessidade de um electricista. É uma necessidade permanente. Estamos a trabalhar com componentes na área da agricultura, por exemplo, em que, com os meios que colocamos à sua disposição, aumenta a sua produtividade, logo na nossa mesa teremos sempre tomate. O que fazemos aqui é tornar o nosso empreendedor competitivo. Encontrar oportunidades mesmo em tempo de crise. Não ficar do lado do problema, mas encontrar soluções. De resto, a nossa responsabilidade é estimular as pessoas a agirem de forma responsável e consciente.
Qual é o papel das associações empresariais?
São, em todo esse caminho, agentes determinantes, porque congregam um conjunto de informações que afectam o sector e intervêm à medida do possível e vão alertando as autoridades para o que efectivamente se passa. No entanto, existem algumas debilidades quer a nível dessas associações empresariais, quer de outras estruturas no que concerne à estruturação de fundos de apoio aos próprios empresários.
Pode ser mais explícito?
Em outras latitudes, as associações empresariais crescem de tal sorte que até elas mesmas constituem fundos de autofinanciamento. Elas é que fazem dinamizar os outros quando estiverem em dificuldades para caminharem juntos.
Mas, na montagem das estratégias, são ou não contactadas?
Por agora, elas são nossas interlocutoras para questões estratégicas. Mesmo ao nível do Pape, existe um órgão consultivo em que as associações empresariais e sindicais entram e sentamo-nos à mesa para realinhar as estratégias. Aliás, existe uma comissão de acompanhamento dos estágios em que participam não só as associações como também outros órgãos do Executivo.
O Estado parece apostado em fazer tudo. O MAPTSS distribui ‘kits’, o mesmo que os ministérios do Planeamento e da Agricultura…
Teoricamente falando, parece que devíamos deixar o mercado funcionar de forma livre. Até nas grandes economias, as grandes empresas, em tempo de pandemia, tiveram de ‘bater à porta’ ao Estado. Na nossa realidade, o Estado nem tem como fazer tudo. Porém, existem segmentos bastantes em que, se não houver intervenção do Estado, teremos resultados muito adversos. Estou a falar de camadas incapazes de enfrentar a competitividade. O Estado estabeleceu, para si mesmo, uma protecção social de base.
Mas hoje a maioria da população está vulnerável, mesmo aquela que está empregada…
É preciso encontrar um mecanismo para que aquele que não tem salário primeiro comece a ter, para depois se encontrar um equilíbrio. Para quem já trabalha, temos de melhorar as competências e para quem nunca teve acesso a alguma formação, então temos de encontrar caminhos para que entre no mercado do trabalho. À medida que vamos avançando, vamos consolidando as coisas.
O Pape termina em 2022. Até lá, acha que serão atingidos os 85.500 empregos previstos?
Há três meses tínhamos pouco mais de dois mil empregos. O início é difícil, mas, à medida que vamos avançando para as províncias, estamos confiantes; já estamos em quase 11 mil empregos. O problema era da aquisição de ‘kits’, mas já está ultrapassado.
Qual é o valor dos ‘kits’?
Variam entre 400 mil kwanzas, os mais baixos, e, na agricultura dois milhões de kwanzas.
Só trabalham com o Banco Sol?
Trabalhamos com o BAI Microfinanças, com o BCI e com o BPC, mas só nos consolidámos com o Banco Sol por ter uma estrutura de acompanhamento do microcrédito muito avançada. Só por isso estamos com essa entidade até hoje. Portanto, existe uma tradição com esse banco com o qual trabalhamos desde 2010.
Quanto é que já foi concedido em termos de microcrédito?
Desde o lançamento do programa, a carteira de crédito ronda os 2.000 milhões de kwanzas. E atingimos mais de 25 mil beneficiários.
E quanto ao reembolso?
Em épocas normais, fica em cerca de 30% não mais do que isso. Hoje, nesse período atípico, anda à volta de 40 a 45%, um crescimento de 10 a 15%. Para um programa dessa natureza, ainda é comportável. Mas, se a taxa de incumprimento crescer de forma descontrolada, compromete-se o programa.
Qual é a situação dos centros de formação profissional?
Os centros funcionam só que temos um calendário com paralisações. Retomámos a actividade a 8 de Junho no Cunene e as acções formativas ocorrem em todo o país. Estamos com 156 unidades formativas e mais de 21 mil adolescentes e jovens em processo de formação profissional e 1.300 formadores que completam a estrutura do próprio Inefop em 3.000 funcionários.
Perfil
Contabilista que nunca pagou propina
Nasceu no Huambo onde fez estudos secundários, tendo, depois, ingressado na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. “Nunca paguei propina. Sempre estudei no ensino público, da creche à faculdade”, observa Manuel Mbangui, que antes passou pelo sector privado. Antes disso, foi consultor de projectos no Ministério da Agricultura. Dirige o Inefop há três anos, “um mandato que já está quase a expirar”.