Corrupção em Angola: “Afastaram os antigos corruptos e criaram novos”

O Governo faz um balanço positivo do combate à corrupção em Angola e diz que os efeitos “estão visíveis aos olhos de todos”. Mas os críticos da governação de João Lourenço falam num “fracasso” pouco transparente.

Com o fim do mandato à vista, o Governo de Angola já faz um balanço positivo do seu programa de combate à corrupção. Segundo a Procuradoria Geral da República (PGR), o país recuperou ativos financeiros e não financeiros no valor de mais de 5 mil milhões de dólares, em território nacional e no estrangeiro, em países como Portugal, Holanda, Mónaco, Luxemburgo e Reino Unido.

O procurador-geral de Angola, Hélder Pitta Grós, que falava na cerimónia de celebração do 43 anos de existência da PGR, na semana passada, avançou também que foram apreendidos outros 12 mil milhões de dólares noutros processos e arrestados bens imóveis constituídos com fundos públicos. E a gestão destes bens, acrescentou, tem sido feita de forma “correta e consciente”.

Já o ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, destaca a Lei sobre o Repatriamento Coercivo e Perda Alargada de Bens que, no seu entender, permitiu a recuperação coerciva e reintegração dos ativos ao património público: “Os resultados estão visíveis aos olhos de todos. Acabou a sensação de impunidade, melhorou substancialmente a qualidade da despesa pública e aumentou consideravelmente o rigor na gestão da coisa pública”, afirma.

“Batalha de corruptos”

O presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, tem uma apreciação diferente do Governo. O político acusa o Executivo angolano de promover a corrupção com a assinatura de contratos sem concurso público.

“Viram o contrato que foi assinado a 28 de abril, mais de um bilião de dólares sem concurso público. Isso é um incentivo à corrupção, confessadamente e com assinatura do chefe. Está tudo dito, não preciso falar, está aí à luz do dia”, referiu o líder da UNITA quando respondia à DW África durante uma passeata promovida pela Frente Patriótica Unida, no último sábado (30.04).

O deputado e vice-presidente do Bloco Democrático Justino Pinto de Andrade, por sua vez, diz que se assiste em Angola a uma “batalha de corruptos”. “Para mim, corruptos são todos eles. Eles são todos corruptos. Portanto é uma luta de corruptos contra corruptos”, sublinha.

O ativista Dito Dalí não tem dúvidas: o combate à corrupção “foi um fracasso”. Dalí entende que o programa visou certas entidades e muitos que desviaram fundos públicos continuam impunes. Cita o caso do diretor do gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Costa, que terá acumulado fortuna que não é compatível com funções no Governo.

“O Presidente da República não teve a coragem de punir o seu diretor de gabinete. Continua a protegê-lo. O Presidente da República não teve a coragem de punir Manuel Vincente e exigir a devolução do dinheiro roubado. O Presidente da República não teve a coragem de permitir que a justiça fizesse o seu trabalho sem interferência política”, acusa o ativista.

Novos monopólios

Dito Dalí questiona ainda o paradeiro do dinheiro recuperado no âmbito da lei do repatriamento de capitais: “Quando o Governo vem fazer um balanço positivo sobre o combate à corrupção, tem que nos dizer quantos milhões de Kwanzas, de dólares e de euros foram recuperados. Quais são essas pessoas que roubaram o dinheiro público, onde estão e porque é que roubaram o dinheiro”.

O ativista defende a criação da alta autoridade de combate à corrupção, com poderes próprios. “Afastaram os antigos corruptos e criaram-se novos corruptos. São esses novos corruptos que estão a comandar o país, que estão a delapidar os fundos públicos”, afirma. “É só ver a forma como Presidente da República faz adjudicação direta de projetos. É só vermos como o Presidente está criar novos monopólios. O grupo Carrinho, a Omatapalo, sem transparência, sem sabermos os termos dos contratos”, critica.

Desde o início do processo de combate à corrupção e recuperação de ativos, poucos processos chegaram a julgamento. Trata-se dos casos que envolveram o ex-ministro dos Transportes, Augusto Tomás, José Filomeno dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano, o antigo governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe e o diretor do extinto Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), Manuel Rebelais.

O último caso foi o julgamento do empresário luso-angolano Carlos São Vicente, condenado a nove anos de prisão por crimes de corrupção. A DW África endereçou uma série de perguntas à PGR sobre as dúvidas que se levantam ao êxito do combate à corrupção, mas não teve respostas.

 

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