As eleições estão marcadas para o dia 24 de Agosto de 2022. Começa agora um período intenso na vida política do país, a que muitos dos 14 milhões de eleitores chamam a “festa da democracia” e outros, a “fraude”.
Nesse dia, “os angolanos votarão pela quinta vez na história do país para escolher o seu governo. Estas serão as primeiras eleições não organizadas sob supervisão de José Eduardo dos Santos e num contexto de maior liberdade de expressão”.
Faltam menos de três meses para as eleições, mas, na verdade, nota-se a ausência de debates públicos sobre as agendas políticas e os perfis dos candidatos que respondam aos anseios do povo angolano.
Quais são os temas estruturantes e fracturantes destas eleições? Para além dos programas de governo, quem serão os nomes indicados para ocupar os cargos relevantes? É importante conhecer antecipadamente a equipa de cada um dos cabeças de lista – o primeiro nome de cada lista partidária que, automaticamente, é o candidato presidencial. Por si só, essas listas são problemáticas, porque não permitem que os cidadãos escolham directamente o presidente da República e cada um dos seus representantes à Assembleia Nacional. “A escolha é limitada simplesmente ao partido A, B ou C, embora, por decisão acertada do Tribunal Constitucional (TC) de 2010 (Acórdão n.º 111/2010), os boletins de voto devam conter, além do partido, o nome e a fotografia do candidato presidencial, o que ajuda à necessária ligação entre eleitores e eleito. Na prática, o Tribunal Constitucional (TC) tornou a eleição presidencial mais directa do que aquilo que resultava de uma interpretação literal do texto constitucional”.
Urge diminuir o à-vontade com que os partidos e os candidatos concorrentes podem vender gatos por lebres e exigir cheques em branco. Quando vão as eleições desencadear o debate de ideias para a melhoria do quotidiano e da qualidade de vida dos angolanos, para o desenvolvimento humano e do futuro do país? Quando deixarão as eleições de se limitar à agitação de fanatismos partidários e de cultos de personalidades? Quando passarão a ser demonstrações de maturidade política e democrática dos angolanos?
Os aspectos “festivos”, mediáticos e de encantamento popular são importantes, mas não podem sobrepor-se ao essencial. Está em jogo a escolha do governo para os próximos cinco anos. Um governo não resolve todos os problemas nem decide tudo, mas num país como Angola, ainda muito dependente do Estado, é fundamental saber com clareza o que os partidos querem implementar e que caminho querem dar ao país.
A democracia é uma escolha do futuro. E estas eleições, mais do que quaisquer outras do passado, talvez com a excepção de 1992, são determinantes para o modelo de Estado e de sociedade que queremos para Angola.
Cada cidadão não deve ir votar com base em palavras de circunstância ou efeitos de propaganda simplista. Cada cidadão tem o dever cívico de se informar sobre os programas partidários, avaliar o seu grau de exequibilidade e votar em consciência.
Já a “fraude” é praticamente uma canção popular de oposição contra 47 anos de poder ininterrupto. A “fraude” não se resolve com apelos à internacionalização do conflito eleitoral, nem com a entrega das principais decisões a autoridades externas, abdicando assim da soberania nacional. Só se resolverá com o empenho e a consciência cívica de todos os angolanos envolvidos no processo eleitoral.
É nesse sentido que damos início, pela nossa parte, à discussão das principais ideias que gostaríamos de ver abordadas no período eleitoral.
Acreditamos que Angola necessita de uma forte intervenção em três eixos essenciais. Será com base nestes eixos que orientaremos as nossas análises eleitorais, promovendo o debate de ideias claras sobre como melhorar a vida dos cidadãos e dar rumo sustentável ao país. De facto, cabe à sociedade civil, para além do papel de moderação, o engajamento proactivo na promoção do debate de ideias. É um exercício pedagógico que deve elevar o nível de cidadania e a tomada de consciência de que a soberania reside no povo, como estabelece a Constituição.
O primeiro eixo de intervenção é a reforma do Estado e da justiça. Não pode continuar a existir um Estado que não corresponda à satisfação das necessidades básicas da população e que não seja eficaz. A administração pública tem de estar próxima do povo (descentralização), ser eficaz (modernização e digitalização) e não complicar, promovendo a actividade económica (desburocratização).
Por sua vez, a justiça tem de ser célere, acessível e imparcial. Isso implica a mudança no recrutamento e gestão dos juízes. É imperioso reformular a formação e o acesso à profissão de advogado, para que os cidadãos tenham defensores mais qualificados e para que haja condições de imparcialidade nos julgamentos.
O segundo eixo programático, ao qual dedicaremos especial atenção, é o da economia. Os últimos cinco anos foram de reformas do enquadramento macroeconómico: “Défice e dívida pública, liberalização do câmbio, independência do banco central, alteração da lei de investimento, início do processo de privatizações. Se é um primeiro passo, deixa um longo caminho por fazer. Falta ainda o essencial: fazer com que a economia cresça sem depender do petróleo e com emprego. Não basta dizer que se é a favor do mercado. O mercado não existe por si só. Tem de ser criado e garantido por um Estado forte que actue como moldura da concorrência. Mercado não é selvajaria nem entrega das empresas e negócios do Estado aos amigos do poder”.
É também fundamental perceber o modelo de privatização parcial da Sonangol e a transição energética que esta empresa vai ou não promover.
O eixo de intervenção final, ao qual dedicaremos a nossa análise eleitoral, é o da educação e da saúde. Aqui há dois temas primordiais a considerar. Em primeiro plano estão as infra-estruturas. São necessários edifícios hospitalares e escolares. Reconhece-se o esforço feito pelo governo neste âmbito. Contudo, não menos importantes, são os recursos humanos: os médicos, professores, enfermeiros e toda a estrutura de pessoal que garante o funcionamento dos hospitais e das escolas. As políticas de formação e contratação são determinantes para o sucesso desta aposta. Mas é essencial que estes profissionais sejam ouvidos a todo o tempo, tenham salários condignos e condições de trabalho humanizantes.
“O mais importante nas eleições são as propostas políticas e a confiança nas lideranças para levar a cabo essas propostas. A sua discussão contribui, a cada ciclo eleitoral, para o amadurecimento da consciência dos cidadãos na defesa dos seus direitos fundamentais por via do exercício pleno dos seus direitos civis e políticos”.
Há um exemplo interessante, em África, sobre como a clareza de uma simples proposta pode galvanizar a opinião pública, levando-a a discutir com elevação os prós e os contras de uma ideia bem elaborada. É o tema da liamba.
Recentemente, no Quénia, surgiu um candidato presidencial cuja bandeira eleitoral é a legalização da liamba (marijuana). Trata-se de uma proposta clara, de que podemos discordar ou concordar, procurando chamar os votantes a um exercício de cidadania consciente.
George Wajackoyah é um advogado e professor de Direito que já antes tentara candidatar-se, sem sucesso. Desta vez, a sua mensagem pró-liamba, lançada em Fevereiro passado, obteve grandes manchetes, e a comissão eleitoral aceitou o registo do seu partido – Raízes –, razão pela qual constará das listas eleitorais. O “liambeiro” queniano advoga a descriminalização e o cultivo da cannabis (o nome científico da liamba) para ajudar a pagar as dívidas do seu país. A campanha vai ser animada também pela sua história de vida: começou como criança de rua e foi subindo a pulso até se tornar um advogado famoso.
Com esta história não pretendemos advogar a liberalização da liamba em Angola, mas defender a necessidade de haver plataformas políticas entendíveis e não baseadas em equívocos.
Reforma do Estado e da justiça, da economia, da saúde e da educação são os eixos programáticos que queremos ver discutidos e apresentados à população. Com base na análise das propostas e da sua exequibilidade, daremos o nosso voto. Do mesmo modo, todos os cidadãos devem informar-se, reflectir e formar as suas ideias, rejeitando ser carneiros no rebanho seja de que político for.