EUA: Espanha aposta em Angola e “passa a perna” a Portugal?

Chega hoje a Luanda o primeiro-ministro espanhol. Na bagagem, Pedro Sánchez traz um ambicioso plano de investimento em África e Angola está entre as prioridades. Estará Portugal a ficar para trás neste capítulo?

O chefe do Governo espanhol viaja até à capital angolana acompanhado de vários empresários interessados em investir em terras africanas. Além das oportunidades empresariais, Madrid pretende melhorar a cooperação na área da segurança e defesa e estreitar a colaboração diplomática com Luanda.

Na quinta-feira (08.04), Pedro Sánchez será recebido pelo Presidente angolano, João Lourenço, antes da assinatura de vários acordos e memorandos em áreas como transportes aéreos, agricultura, pesca e indústria. Depois de Angola, Sánchez segue viagem para o Senegal, onde o tema da imigração ilegal será um dos principais pontos na agenda da visita agendada para sexta-feira (09.04).

Em entrevista à DW África, o académico luso-angolano Eugénio Costa Almeida lembra a importância que Espanha sempre atribuiu a Angola, através do qual Madrid conseguiu “uma maior e melhor forma de penetração no continente africano”. O professor investigador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL) não tem dúvidas de que Espanha já está a “passar a perna” a Portugal em vários campos em Angola.

DW África: O que terá pesado mais na escolha de Angola para o arranque desta visita do primeiro-ministro espanhol a África? Será a importância que Angola tem na região?

Eugénio Costa Almeida (ECA): Eu não tenho dúvidas que Angola foi sempre vista por Madrid como uma parte importante no panorama africano. Esta visita de Pedro Sánchez é a terceira que ocorre desde a independência. Daí se vê a importância que Espanha dá a Angola, seja o poder conservador, como no caso de Adolfo Suárez, ou socialista, como no caso destes dois últimos primeiros-ministros, nomeadamente no caso de Pedro Sánchez.

E é preciso não esquecer que a primeira visita oficiosa que o Presidente João Lourenço fez fora do país, ainda antes de tomar posse, foi precisamente a Espanha. Recordo também que Barcelona era o local de eleição do anterior Presidente José Eduardo dos Santos para as suas visitas privadas, em particular no que tocava às visitas de ordem médica. Acho que isto diz tudo.

DW África: Espanha tem um plano muito ambicioso, o “Foco África 2023”, para transformar esta década, diz Pedro Sánchez, na “década de Espanha em África”. Angola é uma das prioridades deste plano espanhol?

ECA: Espanha nunca teve problemas com a questão das relações com África, ao contrário de Portugal, por exemplo. E quando em Portugal está no poder a esquerda, há sempre um complexo que nunca conseguiu abandonar de que as relações com as suas antigas colónias se pautem por algum neocolonialismo.

DW África: Acha que Espanha pode agora tirar partido disso no continente africano?

ECA: Indiscutivelmente tem sido assim. Mas em termos de África e da África Austral, Angola foi sempre visto como um país de prioridade. Foi através de Angola que Espanha encontrou uma maior e melhor forma de penetração no continente africano. Não esqueçamos a forma como Espanha se “libertou” do Saara Ocidental e as consequências que isso trouxe, nomeadamente entre as duas grandes potências do norte de África, Marrocos e Argélia, e simultaneamente as consequências que teve dentro da antiga Organização da Unidade Africana (OUA), que levou a que Marrocos abandonasse a organização. Angola serviu para “lavar a imagem” de Espanha em África.

DW África: Acha que Portugal pode estar a “ficar para trás”? Apesar de estar a demonstrar que quer continuar a ter um papel económico forte em Angola, parece que as empresas não estão a demonstrar muita resiliência para fazer face à crise. Neste aspeto, Espanha pode “passar a perna” a Portugal?

ECA: Indiscutivelmente eu não tenho dúvidas. Por outro lado, eu diria que são dois problemas ou dois fatores completamente diferentes, Portugal e Espanha. Não há dúvidas nenhumas que, nesse aspeto, a Espanha passa a perna a Portugal, por duas razões. Espanha não tem pruridos no que toca às relações com países africanos, tal como não tem, por exemplo, o Reino Unido, como também penso que tem algo que Portugal continua a não ter: um apoio oficial às empresas no que toca às relações com países terceiros cuja situação económica não seja aquela que é o ideal.

E não esquecer que Angola, em termos de rating, está naquela posição que em Portugal tanto se falou, que é “lixo”. Ainda assim, temos que ver que Angola tem o apoio e a credibilidade do Fundo Monetário Internacional (FMI) e isso para a Espanha também é importante.

DW África: Espanha será o parceiro ideal para Angola neste processo de diversificação económica e privatizações que João Lourenço está a implementar no país?

ECA: Exatamente, penso que sim. Em Angola temos empresas que são muito apetecíveis e provavelmente poderão ser muito rentáveis – nunca a curto prazo, mas a médio e longo prazo – para o retorno de capitais. E como as leis que têm sido desenvolvidas ultimamente, até porque são coadjuvadas com o apoio do Fundo Monetário Internacional, são propícias a transferências de capitais, com uma certa liberdade que não acontecia no passado, é evidente e é provável que isso possa vir a acontecer.

Por exemplo, até uma possível privatização da TAAG – Linhas Aéreas de Angola. A Iberia pode ser uma plataforma para essa privatização, ainda que em nome de terceiros, já que a Iberia faz parte do grupo da British Airways. Também as relações entre Luanda e Londres não são más. Poder-se-ia juntar por interesse o útil ao agradável, pelo menos do ponto de vista de Luanda.

 

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