A Antiga juíza do Tribunal Constitucional (TC) Luzia Sebastião diz que as pessoas “têm medo da justiça angolana”, apontando o descrédito das instituições como sinal da crise na justiça.
Luzia Sebastião, que falou à Lusa à margem de uma mesa redonda sobre a importância do 25 de abril para a emancipação da mulher angolana, em que foi homenageada como “combatente da liberdade” contou um episódio em que relatou que há pessoas detidas, com mandado de soltura já emitido, que são obrigadas a pagar para ficar em liberdade.
“Infelizmente, há muitos episódios que chegam ao nosso conhecimento e levam os cidadãos a terem desconfiança (dos órgãos de justiça). Ir parar num órgão de justiça, hoje, é seriamente problemático, porque a justiça infelizmente, não se apresenta neste momento como um recurso”, afirmou a professora catedrática de Direito.
“Alguém que se sente prejudicado, injustiçado por uma situação qualquer não acorre à justiça (…) antes pelo contrário, as pessoas estão a fugir. As pessoas têm medo da justiça”, reforçou a juíza jubilada, apontando o contexto angolano e os problemas que o país atravessa, em que se instalou “um certo desânimo, um descrédito” como motivos para a crise da justiça.
“O homem está no centro de tudo isso, as pessoas que estão a trabalhar têm de ganhar efetivamente um sentido de responsabilidade, saber que a sua função tem de ter mérito e a sua conduta tem de ser no sentido de conferir crédito às instituições”, defendeu, considerando que se trata de um problema de “algumas pessoas” e não das instituições.
“É uma tristeza grande que faz doer a alma, estou de coração apertado”, disse a juíza jubilada do TC, dirigindo-se aos jovens que assistiam à palestra, lamentando não ter conseguido “que eles tivessem um país em que a justiça funcione”.
“O lema agora é ter medo da justiça, não é socorrer-se da justiça. Se cais nas mãos da justiça, estás perdido”, disse a também ex-diretora do Instituto Nacional de estudos Judiciários e advogada, que lutou nas fieiras do MPLA pela independência de Angola.
Na palestra, organizada pelo Clube de Mulheres Angolanas de Carreiras Jurídicas, Luzia Sebastião contou como a sua experiência pessoal de vida e a detenção do pai pela PIDE a conduziram à luta nacionalista, ficando conhecida como comandante Gi.
Pulquéria Van Dunem, jurista e procuradora-geral adjunta, recém-jubilada, foi outra das intervenientes no encontro, sublinhando que a mulher angolana sofria uma dupla discriminação em função da cor da pele e das condições económicas e sociais.
“A mulher era ‘coisificada’ pela sociedade e pelo Direito”, destacou, referindo que “a mulher das colonias portuguesas em Africa era a principal vitima”, sendo que a discriminação em função do sexo partia do texto constitucional então vigente.
O 25 de abril, notou, foi o “um novo começo que criou o ambiente necessário para o surgimento de Angola como país independente”.