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Antigo Deputado do MPLA, João Pinto admite que combater a corrupção em Angola é “choque directo com as elites”

Respondendo a críticas de morosidade no julgamento de processos judiciais, o Tribunal Supremo de Angola decidiu tornar público “o andamento do trabalho desenvolvido em torno da redução da pendência processual”. Lista de trabalho do Tribunal Supremo de Angola levanta questões sobre o combate à corrupção.

Contudo isso fez levantar novas questões sobre a parcialidade do tribunal em julgar casos envolvendo destacadas figuras do país numa altura em que se levantam também questões sobre a paralisação no combate à corrupção lançado pelo Presidente João Lourenço.

Um antigo deputado do MPLA, João Pinto, avisou mesmo que há “perigo” em levar avante esse combate.

De acordo com a tabela geral de processos julgados na corte suprema, divulgada no site oficial da instituição, foram julgados na Câmara Criminal 80 processos, sendo 19 em agosto e 61 em setembro.

Contudo nenhum dos 80 processos criminais descritos como julgados está relacionado com os casos mais mediáticos que envolvem altas figuras angolanas como é o do antigo vice-Presidente da República e então homem forte da Sonangol, Manuel Vicente, apontado como tendo sido o dono de vários empreendimentos construídos com fundos do Estado e que foram recentemente publicados pelo Serviço Nacional de Recuperação de Ativos da PGR (SENRA).

O jurista e analista político, Pedro Capracata considera que o não julgamento de casos envolvendo antigos ou novos dignitários do governo do MPLA “é uma questão de vontade política”.

Para o advogado, Vicente Pongolola, a ausência de nomes sonantes na lista dos processos julgados nos últimos dois meses pelo TS não cria surpresa para ninguém.

“Inicialmente o Presidente da República teve um acto de coragem ao ter tentado mas parece que os sustentáculos da corrupção são tão fortes que ninguém pode fazer mais do que estar no âmbito das intenções”, disse.

Aquele especialista, entende que “o programa de combate à corrupção está suspenso tacitamente pois deixou de ter aquela flor e combateu-se de facto uma corrupção antiga e distante e essa corrupção nova e próxima não está a ser combatida”.

De recordar que Manuel Vicente também foi um dos acusados na Operação Fizz, em Portugal, que assenta na acusação de que o antigo responsável angolano corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira, com o pagamento de 760 mil euros, para que este arquivasse dois inquéritos, um dos quais, envolvendo a empresa Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril, em 2008.

Em 2018 a Procuradoria-Geral da República de Angola tinha confirmado que todo o processo físico tinha sido transferido para Luanda proveniente da congénere portuguesa, após a decisão de transferência tomada em Maio pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Depois de garantir que “o processo vai seguir os trâmites normais”, a PGR, citada pelo Jornal de Angola, prometeu que iria analisado para se ver o estado em que se encontrava e, posteriormente, decidir-se que passos devem ser dados”. Este processo também não avançou até ao momento.

Tal como Manuel Vicente, também o antigo gestor da companhia angolana, Orlando José Veloso, foi apontado em 2020, como tendo sido um dos principais beneficiários do “Empreendimento Três Torres” constituído por escritórios e habitações, localizado no Eixo Viário no distrito urbano da Ingombota, em Luanda.

Ainda não foram julgados igualmente os generais Leopoldino do Nascimento “Dino” e Hélder Vieiras Dias Júnior “Kopelipa”, duas figuras muito próximas do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, que em 2020, foram acusados de corrupção e peculato e proibidos de se ausentar do país.

Os dois generais entregaram ao Estado, na qualidade de representantes das empresas China International Fund Angola – CIF e Cochan, S.A., as ações que detinham na empresa Biocom-Companhia de Bioenergia de Angola, Lda., na rede de Supermercados Kero e na empresa Damer Gráficas-Sociedade Industrial de Artes Gráficas SA.

Da lista dos bens devolvidos, segundo a PGR, constaram a centralidade do Kilamba, com um total de 251 edifícios e 837 vivendas, os edifícios CIF Luanda One e CIF Luanda Two.

Outros bens devolvidos são as fábricas de cimento, de cerveja e de montagem de automóveis, bem como os equipamentos, máquinas e móveis afetos.

Sem julgamento continuam também os principais donos de muitos outros bens apreendidos e publicados recentemente pela PGR. É caso da Fábrica de Tecidos (Mahinajethu – Satc), localizada no Dondo, província do Cuanza Norte; a Fábrica Têxtil de Benguela (Alassola – África Têxtil) e a Nova Textang II, em Luanda apreendidos a 14 Junho de 2019.

Os beneficiários últimos destes empreendimentos eram, segundo a PGR, Joaquim Duarte da Costa David, antigo diretor-geral da Sonangol, ministro da Indústria, das Finanças e da Geologia e Minas e atualmente deputado à Assembleia Nacional, além de Tambwe Mukaz, José Manuel Quintamba de Matos Cardoso, e sócios constantes dos pactos sociais.

De acordo com aquela instância judicial, tinham sido disponibilizados para a reativação das antigas fábricas, através de uma linha de crédito do Japan Bank for International Cooperation, um total de 1.011,2 milhões de dólares (895.966 milhões de euros), financiamentos que estavam, na altura, a ser pagos pelo Estado angolano.

Em 2021 a PGR anunciou a apreensão do Projeto Tambarino (Lobito, Benguela), construído com fundos públicos, cujo beneficiário efetivo era o antigo governador de Benguela, Isaac Maria dos Anjos que desde 2017 exerce as funções de secretário do Presidente angolano, João Lourenço, para o setor produtivo.

Dos Anjos negou publicamente que tivesse ligação com estes bens construídos com fundos da Sonangol.

Ao ex-presidente do conselho de administração do Banco de Poupança e Crédito (BPC), Paixão Júnior, a Procuradoria apreendeu em 2021 contentores de material para montagem de uma fábrica de iogurtes em Benguela que estava entregue à empresa Smart Solution.

“Engavetados”, continuam também os processos que envolvem o diretor do Instituto de Estradas de Angola (INEA), Joaquim Sebastião, a quem em 2019, a PGR confiscou 13 imóveis, seis veículos e um centro de estágio de futebol localizado no bairro do Sequele, em Luanda.

Constituído arguido por suspeita de crimes de peculato e outros ilícitos, no período 2007-2009 , antigo gestor do INEA viria, entretanto, a ser posto em liberdade “por motivos de doença”.

Ernesto Kiteculo, então vice-governador do Cuando Cubango e mais tarde de Lunda-Sul foi dos primeiros altos responsáveis do MPLA a ser constituído arguido sob acusação de crimes de peculato, associação criminosa, tráfico de influências, participação económica em negócio, recebimento indevido de vantagem, violação das regras de execução do plano e orçamento e abuso de poder.

Kiteculo, que esteve em prisão preventiva na cadeia de Viana, em Luanda, está em liberdade provisória desde 2021 pelas mesmas razões.

Combater a corrupção é entrar “em choque directo com as elites”

É verdade no entanto que desde que começou a cruzada contra a corrupção em 2017, vários nomes alguns deles que pertenceram ao aparelho do estado foram levados a tribunal:

Zenu dos Santos e Isabel dos Santos, ambos filhos do então Presidente Eduardo dos Santos foram acusados, Augusto Tomás, antigo ministro dos Transportes, na era de Eduardo dos Santos foi preso, Carlos São Vicente, ex-gestor da AAA também foi a tribunal.

De lá para cá nada mais de grande vulto se ouviu sobre corrupção. João Lourenço, o mentor do combate, disse recentemente que o combate à corrupção é para continuar.

A Voz da América tentou ouvir Álvaro João, porta-voz da PGR, para saber se houve um abrandamento nos processos de corrupção mas sem sucesso.

O antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco questiona a forma como está estruturado o sistema de justiça em Angola pouco ou nada pode se fazer neste sentido.

“Outros elementos de anormalidades no âmbito do poder judicial são consentidos sistematicamente pelos próprios juízes como sacrifício do fundamental princípio de inamovibilidade dos juízes consagrado constitucionalmente, incluindo princípios de obediência à consciência na tomada de suas decisões em troca de acções corruptivas efectuadas à luz do dia”, disse.

“Não há justiça que nestas condições possa constituir garantia de estabilidade e desenvolvimento nacional.”, acrescentou

O professor universitário e antigo deputado pela bancada do MPLA João Pinto entende que “o combate a corrupção é um acto de coragem mas arriscado, se fossemos pelo combate à pobreza talvez tivéssemos justiça social, agora qualquer luta contra corrupção entra-se em choque directo com as elites e automaticamente retrai a economia”.

Manuel Cangundo, outro jurista é de opinião que não se pode falar de avanços ou recuos no combate a corrupção porque a seu ver nunca existiu.

“A corrupção está enraizada em todas as instituições públicas desde o mais alto ao mais básico, tudo hoje é corrupção”, disse.

“Não se pode dizer se anda ou não porque nunca existiu combate a corrupção”, acrescentou.

Outro professor Sebastião Vinte e Cinco diz que lutar contra este fenómeno, passa por questões morais e de educação.

“Apesar de ter iniciado com muita força o Presidente Lourenço não encontrou muitos aliados”, disse.

“Qualquer pessoa gostaria que este fenómeno fosse erradicado do dia pra noite, eu gostaria que fosse assim mas a vida real é diferente, temos que perceber há vários pontos de estrangulamento deste processo, isto passa por moralizar, as pessoas têm que serem educadas a respeitar o património alheio”, acrescentou.

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