Diretora do Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA) alvo de “queixa-crime”, a quem imputa vários crimes

O Advogado João Gorgel apresentou queixa-crime contra a diretora do Serviço de Recuperação de Ativos, a quem imputa vários crimes, entre os quais desvio de documentos. O angolano acusa Eduarda Rodrigues de “descaminho”.

João Gourgel considera que este é “um caso inédito”, por se tratar de uma queixa-crime contra uma magistrada no exercício de funções, adiantando à Lusa que vai também apresentar uma reclamação hierárquica contra Eduarda Rodrigues junto do Procurador-Geral da República e do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público “por razões disciplinares”.

Eduarda Rodrigues dirige desde 2018 o Serviço Nacional de Recuperação de Ativos (SENRA), entidade criada para gerir o processo de recuperação de ativos do Estado angolano desviados ilicitamente, no âmbito do combate à corrupção, que o Presidente angolano, João Lourenço, elegeu como bandeira dos seus mandatos.

Da atual lista do SENRA constam 223 ativos recuperados, 521 apreendidos e 167 arrestados, contando-se entre estes os edifícios CIF Luanda One e Two, pertencentes ao China International Fund Angola, empresa ligada ao ex-vice-presidente Manuel Vicente, cujos representantes em Angola, os generais Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino do Nascimento Fragoso “Dino”, estão acusados de burla por defraudação, associação criminosa, tráfico de influência, e branqueamento de capitais, entre outros crimes.

Na participação criminal contra Eduarda Rodrigues e Simão Chaluca, também magistrado do SENRA, João Gourgel queixa-se de “ações e omissões” e alega estar a ser perseguido “sem qualquer elemento incriminador” ou fundamentação “que permita formar a convicção de culpabilidade”.

Salienta ainda “que não pode permitir que a sua reputação e bom nome sejam postos em causa em virtude dos clientes que defende ou dos acordos que alcançou ao longo da sua vida e carreira profissional”.

João Gourgel, que é também advogado de Kopelipa, alega ter sido surpreendido com uma ordem de interdição, a partir da altura em que a Direção Nacional do Património do Estado tomou posse dos imóveis.

No documento a que a Lusa teve acesso diz que foi notificado em 21 de fevereiro de 2021 de suspensão de toda a atividade nos 7.º, 8.º e 9.º andar do CIF Luanda Two, sendo instado a apresentar toda a documentação que atestasse a titularidade dessas frações.

Diz que o seu escritório de advogados permaneceu fechado por oito meses, sendo vedada a entrada aos colaboradores e impedido o acesso aos documentos de clientes e arquivos, situação que levou a “prejuízos incalculáveis e despesas avultadas”, situação que só foi revertida depois de ser interposta uma ação judicial contra a decisão judicial.

“Não satisfeitos, suscitaram um incidente de liquidação por perda a favor do Estado” dessas frações, com o fundamento de que as mesmas foram adquiridas de forma fraudulenta, processo que ainda corre os seus trâmites e no qual, segundo o documento consultado pela Lusa, nem João Gourgel nem a sociedade Sojoca são arguidos.

“Cumpre mencionar que as frações que o SENRA pretende que sejam perdidas a favor do Estado estão sob tutela do Ministério das Finanças e Direção Nacional do Património do Estado por indicação do PGR”, reforça a participação entregue na quinta-feira (02.05) na PGR.

No documento, João Gourgel expõe como os terrenos onde se ergueram os prédios CIF foram parar às suas mãos e às da sociedade de que é representante, a Sojoca, desde os tempos em que existia no local a pensão Sirius, que chegou a ser pensada para albergar refugiados entretanto transferidos para um complexo habitacional a mando do então ministro das Obras Publicas, Higino Carneiro.

A pensão foi entretanto demolida para dar lugar ao edifício Nzimbo, que não chegou a ser construído, por falta de verbas do promotor que cedeu a sua participação de 50% a João Gourgel, sendo as negociações para a construção do CIF Two iniciadas nesta altura.

Culminaram com o pagamento à Sojoca da contrapartida financeira e, no final, a entrega das frações 7ª, 8ª e 9ª, tendo a sociedade de advogados iniciado obras em 2018 para adequar o 9.º andar à instalação dos seus escritórios.

João Gourgel afirma ter apresentado ao Procurador-Geral, Helder Pitta Grós, provas documentais atestando que ele e a sociedade Sojoca eram proprietários das frações 7ª, 8ª e 9ª do edifício CIF Luanda Two, tendo a mesma informação e documentação sido entregue a Eduarda Rodrigues que, no entanto, não a disponibilizou à Direção Nacional do Património do Estado, tendo daí resultado a interdição de entrada no referido edifício dos advogados ao serviço do seu escritório.

João Gourgel acusa Eduarda Rodrigues de “descaminho ou desvio de documentos probatórios” e de continuar a levantar incidentes para que estas frações sejam perdidas a favor do Estado, alegando que são vantagens dos crimes cometidos por Kopelipa.

O comportamento de Eduarda Rodrigues, acusa o advogado de Kopelipa, “tem sido o de prejudicar o participante [Gourgel] na medida em que tem usado as suas funções e poderes para perseguir o mesmo de forma completamente abusiva e ilegal”.

João Gourgel acusa, por isso, a procuradora dos crimes de denúncia caluniosa, abuso de poder, difamação e injúria, perseguição de inocentes, subtração ou desvio de processo ou de documentos probatórios, e o SENRA de “mentir, truncar e omitir a veracidade dos factos (…) no intuito de criar a aparência” de que adquiriu as frações no CIF “de modo fraudulento e, deste modo, conseguir que seja decretada a perda das mesmas a favor do Estado”.

O advogado pede ainda uma indemnização mo valor mínimo de 150 milhões de kwanzas (166 mil euros).

 

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