Jurista Rui Verde questiona qual é o balanço do “combate à corrupção” em Angola em 2023?

Jurista Rui Verde considera que Angola continua aquém das expectativas no combate à corrupção. O país ainda não levou a tribunal Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente angolano, alvo de vários processos judiciais.

Em Angola, o combate à corrupção é uma promessa de longa data. Mas o país continua, por exemplo, sem conseguir levar a tribunal a empresária Isabel dos Santos, alvo de processos judiciais em vários países. E sobre o processo de alegada corrupção do antigo patrão da Sonangol e ex-vice-Presidente Manuel Vicente, nada mais se ouviu falar.

Já os generais Kopelipa e Dino, acusados de crimes de peculato, associação criminosa e branqueamento de capitais, enfrentam processos em que a maior parte das acusações terá sido abrangida pelas leis da amnistia, de acordo com o portal Maka Angola.

Analistas dizem que, até aqui, foi levada à justiça apenas “arraia-miúda” como ex-governadores, administradores municipais ou diretores nacionais, que, entretanto, não serão a fonte principal da corrupção em Angola.

Face a estes casos, a DW África perguntou ao jurista Rui Verde, também colaborador do Maka Angola, que balanço faz do combate à corrupção em Angola em 2023.

DW África: Como avalia o combate à corrupção?

Rui Verde (RV): Não podemos dizer que há um sucesso porque não há um sucesso. Não podemos dizer que é um fiasco porque alguma coisa aconteceu. Mas, obviamente, está abaixo das expectativas. Um Estado capturado pela corrupção, como era o Estado angolano em 2017, ainda fez muito pouco para se livrar dessa corrupção. Ao nível da legislação e ao nível da opinião pública, fez-se muito. Depois, ao nível do judiciário e do verdadeiro combate à corrupção os passos não foram ainda suficientes.

DW África: Acredita que houve um combate seletivo à corrupção?

Rui Verde (RV): O problema nem é esse. Se reparar, aqueles que foram atingidos não têm os casos resolvidos. O mais famoso, se calhar, é o de Isabel dos Santos. Até certo momento, podemos dizer que houve um combate à corrupção referente a Isabel dos Santos, mas parou.

DW África: E porque acha que o caso Isabel dos Santos não avançou?

Rui Verde (RV): É uma boa pergunta, que eu não sei responder. Há aqui duas culpas, se quiser, a culpa do procurador-geral da República de Angola, que não fez uma acusação. Em qualquer país, para uma pessoa ir a um processo, seja nos Estados Unidos, mesmo na China, seja na Rússia, seja no Brasil, tem que haver uma acusação. Não há acusação nenhuma em relação a Isabel dos Santos. O Ministério Público, o procurador-geral, não fez uma acusação formal. Portanto, temos aqui uma primeira culpa. Temos uma segunda culpa estranha, que é o Dubai não ter agido relativamente ao mandado de captura ou à red notice, como se costuma dizer tecnicamente, enviada pelo Estado angolano para a Interpol. Portanto, há aqui duas grandes interrogações no caso de Isabel dos Santos: Porque é que o procurador-geral da República de Angola não acusa? E porque é que o Dubai não a detém, para saber o que se passa?

DW África: Como vê esta questão do poder judiciário? Terá sido realmente conivente com os casos de corrupção? Como, concretamente?

Rui Verde (RV): O que sabemos, o que é público, é que a Procuradoria-Geral da República angolana instaurou um processo ao presidente do Tribunal Supremo de Angola. E temos outra vez o mesmo problema de Isabel dos Santos. A Procuradoria diz que investiga, até faz fugas seletivas da sua investigação, mas não chega ao final. E, portanto, temos um problema gravíssimo em termos de imagem, que é haver um presidente do Tribunal Supremo que está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República.

DW África: Acredita que é realista no contexto angolano um órgão que julgue os casos de corrupção de modo independente do poder político?

Rui Verde (RV): Ser realista em Angola é saber que tem que contar com investimento estrangeiro, designadamente, começou agora a estar muito na voga em Angola, o investimento americano, mas também alemão, francês e chinês. Ora, para haver investimento estrangeiro é fundamental que as pessoas acreditem o mínimo – não tem que ser tudo o máximo – no funcionamento das instituições do país. Portanto, eu acho que a realidade é que se vai impor e obrigar a Angola a combater a corrupção, tal como a anterior realidade que lhes permitia nadar no dinheiro do ouro negro. A atual realidade não lhes permite nadar no dinheiro do ouro negro e para obter dinheiro estrangeiro têm que efetivamente combater a corrupção.

 

 

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[…] da República também devia estimular este tipo de investigações, uma vez que ele hasteou o combate à corrupção como a sua bandeira de luta”, comentou à DW […]

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