Guiné-Bissau: ″Acho que Angola precisa de contar com a sua riqueza em hidrocarbonetos para a sua transformação″

Na segunda parte da entrevista, em exclusivo para o Expansão, do economista guineense e professor da Escola Nelson Mandela de Governança Pública, especialista em desenvolvimento e planeamento estratégico, e ainda a propósito do lançamento da sua mais recente obra “África em transformação”, falamos, também quase em exclusivo, de Angola, da necessidade de políticas públicas coerentes e da inevitabilidade de o país ter de alinhar com o mundo na transição energética, ainda que nos seus próprios termos.

Acerca das questões de questões que nos afectam globalmente – o terrorismo, a crise económica e a emergência climática – como é que afectam África de forma diferente?

A pandemia tem um pouco a ver com a recrudescência dos conflitos, porque as fragilidades das instituições africanas, e, nomeadamente, as fragilidades relacionadas com o combate ao terrorrismo, ficaram mais evidenciadas com a pandemia, que reduziu a capacidade dos países. É preciso dizer que a ajuda ao desenvolvimento reduziu de 17% em 2020. A capacidade fiscal dos países africanos diminuiu signifitivamente durante o período de 2020, a estima-se que registe um decréscimo do PIB (Produto Interno Bruto) de cerca de 5,2%. Isto tem incidência em todos os países do continente. Houve uma fuga de capitais maior do que o habitual, estamos a falar de qualquer coisa como 33 biliões de dólares. E tudo isto se traduz em menos recursos dos Estados e numa altura em que, e por causa da pandemia, há mais pauperização, mais tensão, mais dificuldades de toda a ordem, logo, mais conflito. É um terreno fértil para os terroristas, digamos que é um bónus que eles tiveram com a pandemia. Há uma expansão do terrorismo em África, nesta altura, sem dúvida. E há também uma expansão do declínio de países frágeis…

Em três meses assistimos a três golpes de Estado, ou golpes anti-constitucionais, Chade, Mali e Guiné-Conacri…

… e não só golpes de Estado, mas também a manifestações de rua, inúmeras, no Senegal, na Tunísia, na África do Sul.

E falando da crise financeira, que especifícidades têm os países africanos, e já falou do facto da economias africanas se medirem pela capacidade que têm em pagar a dívida e não pelo bem estar da população…

… na realidade é uma consequência de um sistema internacional que é completamente hipócrita. O problema da dívida… se fosse medido apenas pelo rácio da dívida em relação ao tamanho da economia, do PIB, os países africanos são os mais bem-comportados, ficariam na primeira fila da classe, porque que têm um rácio de dívida em relação ao PIB de cerca de 60% – a média da OCDE é de 120%, e durante a pandemia subiu para 130%. Portanto, eles fazem duas vezes pior do que os países africanos na gestão da dívida relativamente ao tamanho da economia. A diferença é que como os países africanos pagam taxas de juro de 7% e eles pagam de 0% – os países da OCDE estão entre zero e 1% de taxas de juro – aí está a diferença. Quando se contrai dívida em África tem de se pagar um montão de juros.

Qual é a explicação para isso?

A explicação é de o sistema económico internacional, que dita regras que estão relacionadas com a forma como as reservas estão feitas. Se for do banco central do Uganda e tiver de passar pelo artigo 4.º – a consulta anual do FMI para recolher estatísticas e classificar os países – vai ter de dizer como é que está o seu nível de reservas, para se ver quantos meses de importação é que tem assegurados com as suas reservas, e esse é um aferidor para uma boa notação, sendo que vai ser consideradas reservas aquilo que o banco central puser em veiculos que tenham um determinado nível de risco baixo, com classificação A ou AA+, é aí que vai ter de ser posto o dinheiro, e esses veículos existem onde?

Fora de África…

Vai de ter pôr o seu dinheiro em países que são ricos, porque se o colocar em África as agências de notação dizem que é muito arriscado e não conta.

E as elites africanas também funcionam assim, por contágio. Mas, e por exemplo, Angola, em 2020, teve um rácio de dívida ao nível dos países da OCDE. Olhando para o país, que tipo de problemas se podem adivinhar num futuro próximo?

Angola tem um comportamento que durante décadas foi completamente ditado pelas receitas do petróleo, e não vejo grandes mudanças estruturais na economia… ainda, capazes de substituir essa dependência. E enquanto substituir essas dependência – e enquanto os preços do petróleo não atingirem os níveis em que estavam antes, e o mercado dos combstiveis fósseis não recuperar – o país vai sofrer. Angola só vai sair desta situação, a médio prazo, substituindo o seu modelo económico. Acho que a curto prazo a sua margem de manobra é muito pequena.

Na sua opinião isso pode demorar quanto tempo? Uma década, mais…?

Isso depende da vontade política de fazer a transformação estrutural. A transformaçaão estutural é muito difícil, porque ela exige três qualidades que os países têm de demonstrar de uma forma muito concreta. A primeira, têm de que entender as megas tendências e têm de as introduzir na sua planificação, porque tem de ter ambição. Por exemplo, se fizer hoje um plano para Angola, daqui a cinco anos, a população aumentou em quantos milhões? É impressinante. E a siruação tecnologóica vai evoluir de que forma? As mudanças são brutais. É preciso entender as mega tendências e inclui-las na planificação. Isso é ambicação. A segunda qualidade, é preciso sofisticação, não se pode fazer tudo ao mesmo tempo, é preciso escolher uma ou duas – num caso de Angola, que é um pais maior, umas três ou quatro – cadeias de valor e dizer nós vamos apostar nestas cadeias de valor para a industrialização do país, e, portanto, vamos conhecer tudo sobre estas cadeia de valor. Num mundo em que estamos completamente globalizados nada é produzido no mesmo sítio, a loguística, a propriedade intelectual, contam mais do que propriamente a produção. É preciso entrar em toda a cadeia de valor para entender quais são os nichos e as janelas de oportunidade e fazer com que, de facto, essa escolha seja acertada. Tem de se operar uma coisa que os economistas chamam de vantagem dinâmica, não são só os recursos naturais, é criar essa vantagem, conhecendo melhor as cadeias de valor.

E a terceira qualidade…?

É que é preciso muita coerência. Não chega mais fazer uma série de bonitos projectos sectoriais, fazer uma pilha com eles todos e chamar àquilo de “plano nacional”. É preciso que toda a gente esteja a trabalhar nas três ou quatro cadeias de valor, e cada ministério diga o que vai fazer para essa cadeia de valor, seja o da Saúde, da Educação dos Transportes ou das Telecomunicaçoes. É o nível de coerência que obriga a outro tipo de governação, que é uma governação muito centrada nas prioridades, e em poucas prioridades. Não mais uma amálgama, uma colecção de coisas de que as pessoas gostam de falar e dizer. Essa diferença, entra a proclamação e o trabalho efectivo, com reformas, reformas, reformas é muito dura, é muito difícil. Se um país decide que vai fazer transformação estrutural de uma forma vigorosa – temos exemplos de países que em quatro cinco anos mudaram completamente a sua situação…

Por exemplo…

O Djibuti, o Togo ou o Ruanda, em quatro ou cinco anos mudaram a sua situação e são campeões de reformas…

Fizeram-no com esses pressupostos que acabou de inumerar?

Exactamente. Mas também se pode demorar vinte anos a fazer transformações estruturais.

E a questão de que muito se fala nos dias de hoje, e que passa pela transformação energética. Nestes países, mais conservadores, digamos assim, ainda muito dependentes do sector petrolífero, têm mais dificuldade em fazer essa transição energética, mas isso tem outros custos?

Acho que Angola precisa de contar com a sua riqueza em hidrocarbonetos para a sua transformação. Não acho que os países que tenham alguma riqueza natural tenham de a deitar fora para puderem fazer a transformação estrutural, mas têm de o fazer tendo em conta o ambiente global. No caso de Angola, pode tirar proveito da sua produção petrolífera por mais um conjunto de anos – não quero aqui arriscar uma data certa porque depende muito do que vou dizer a seguir -, um conjunto de anos, mas tem de o fazer de uma forma diferente do que faz agora. Agora extrai e não transforma. O petróleo pode ser transformado, a volatibilidade de preços dos produtos refinados é muito baixa.

Surpreende-se que Angola não tenha refinarias?

E isso é industrialização. Angola tem de ter uma matriz comercial diferente, proque se tiver produtos refinados não precisa de exportar para além dos vizinhos. Os vizinhos consomem tudo. Não precisa de estar dependente dos Estados chinês ou americano.

 

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