Em Angola, assinala-se a 4 de abril o Dia da Paz e Reconciliação Nacional, mas a escolha da província de Cabinda como o palco do ato central está a gerar debate.
Uma data histórica para alguns – para os outros, nem tanto. O memorando de entendimento de Luena apenas selou a paz militar do Zaire ao Cunene. Lourenço Lumingo, deputado independente da Assembleia Nacional pelo círculo provincial de Cabinda, diz que a escolha desta província para acolher o ato central do Dia da Paz e Reconciliação Nacional é uma ofensa para o povo da região.
Segundo Lumingo, a escolha de Cabinda é uma estratégia do Governo angolano para elevar uma imagem à comunidade internacional de que há paz nesta localidade. “Volto a dizer que não faz sentido o ato central acontecer em Cabinda”, diz.
“Aliás, para mim, é uma ofensa ao povo de Cabinda, visto que ainda temos um território em guerra. Com as comemorações, o Governo quer passar [a ideia] à comunidade internacional de que existe a paz efetiva em Cabinda […] O memorando de entendimento de Luena apenas colocou paz militar do Zaire ao Cunene, tratou-se do fim da guerra em Angola”, argumenta.
Cabinda recebeu “carga bélica”
A província de Cabinda recebeu toda carga bélica depois do fim da guerra em Angola. O intuito era o “de reprimir aquele povo”, argumenta Carlos Vemba, presidente do Movimento Independentista de Cabinda (MIC). “O memorando de entendimento entre o Governo e a UNITA foi um bem para as 17 províncias de Angola, e um mal para Cabinda”.
“É bem notório que, depois do entendimento de Angola com a assinatura da paz, Cabinda recebeu toda a carga bélica para reprimir os cabindas […]. Paz como tal, não se faz sentir em Cabinda. Até a paz espiritual foi nos roubada. As pombas brancas que simbolizem a paz morreram aqui, o que existe em [em Cabinda] é uma paz fictícia”, explica.
Para o presidente do MIC, Carlos Vemba, só haverá paz plena em Angola quando a província de Cabinda for independente. “A importância do território de Cabinda para Angola é económica, política e geoestratégica. Enquanto este território, este pedaço de África, estiver em conflito, Angola não terá a moral de gabar-se de que vive uma paz plena. É claro que só haverá paz em Angola, a verdadeira [paz], quando Cabinda tornar-se independente de Angola.
O ativista Mither reconhece que ainda há muito a se fazer neste país africano, devido a muitas questões sócioeconómicas.
“Não existe paz”
“Não existe paz quando as pessoas estão desempregadas. Quando se têm famílias e não se pode sustentá-las. Não existe paz quando estás doente e não tens assistência médica. Não existe paz quando não há luz em sua casa, não há saneamento básico no seu bairro, ou não jorra água nas torneiras. Não existe paz. A paz social está muito distante de ser alcançada”, diz.
Entretanto, ele acrescenta que “um benefício que ‘essa paz’ trouxe, foi o calar das armas e a livre circulação de pessoas e bens… “.
Por sua vez, o académico David Cambulo afirma que Angola conheceu progressos, mas há fatores que se fazem sentir. “Já não existe aquela preocupação de minas ou de apanhar balas perdidas. Até ao momento, é significante dizer que estamos em paz, porque o país tende a crescer e a se desenvolver”.
Mas, explica o académico, “há uma frase do Jonas Malheiro Savimbi [antigo líder da UNITA] que diz: ‘se a conquista da paz depende da minha morte, essa paz não vos trará felicidades’. Essa frase faz-se sentir porque, se não há felicidades, alguma coisa que não está bem. Ou então, essa paz não foi bem conquistada”, argumenta.
Hoje, vivemos num país em colapso, que é fruto dos acontecimentos que se sucederam ao longo dos 19 anos de paz. Por sua vez, João Malavindele, coordenador da Omunda no âmbito do dia da paz, lembra o pedido de soltura do Zecamutchima, líder do protetorado Lunda Tchokwe.
“Estamos [sic] num país em colapso. Assistimos a muitos assassinatos, e muitos desses [são] perpetuados pelas forças se segurança e da ordem. Falo aqui, por exemplo, de uma situação que está acontecer e que tem a ver com a retenção do Zecamutchima [José Mateus Zecamutchima], líder do protetorado Lunda Tchokwe. Neste momento, ele está detido e nós exigimos a libertação imediata deste cidadão”.
Para João Malavindele, nas circunstâncias em que as coisas estão a acontecer em Angola, é muito difícil “falar-se em paz”.
Numa declaração alusiva ao 04 de abril, Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, o Bureau Político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) reafirmou neste domingo (04.04) que “mantém como tarefa prioritária e permanente a aposta do MPLA na consolidação da paz, da democracia, na preservação da unidade e da coesão nacional”, refere a nota.